São os grandes conflitos na Europa e no mundo – a Guerra dos Trinta Anos, as Guerras Napoleónicas, a Grande Guerra de 14-18, a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria – que definiram geralmente as ordens internacionais que lhes sucederam.
Vivemos, desde o fim da Guerra Fria – 1991-1992 – na ordem liberal Internacional. Esta tem sido marcada pelo domínio ou hegemonia do poder norte-americano; e pela ideia de que esse domínio traria, por arrastamento, a expansão da democracia competitiva e da economia de mercado. A economia de mercado, de facto, expandiu-se, pois deixou de ter alternativa quando a própria China comunista aderiu a ela em circunstâncias especiais. Mas já a democracia, é extremamente duvidoso que se tenha estendido do mesmo modo.
A invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro deste ano, pode vir a marcar o fim da ordem liberal internacional e está a ponto de recriar as fronteiras de uma nova guerra fria, até e na medida em que o Presidente Biden a transformou num conflito entre democracias e autocracias, uma nova versão de The West against the Rest.
A guerra da Ucrânia está num impasse, lembrando em certos aspetos a Grande Guerra. Os russos parecem não ter capacidade para derrotar os ucranianos e estes estão num movimento de reconquista de posições no Donbass; mas a expectativa é que se mantenha um bloqueio cruzado e que as partes se mantenham irreconciliáveis.
Há um bloco euroamericano e um bloco do resto do mundo. A Rússia foi atirada para os braços da China. A maioria dos africanos e dos centro e sul-americanos também não alinhou nas sanções à Rússia.
As sanções estão, para já, a prejudicar mais os europeus – inflação, subida dos preços da energia e da alimentação – do que os russos e os dirigentes da UE têm receio das consequências políticas da situação económico-social na Europa no próximo inverno.
Numa análise geopolítica e geoeconómica, a China, República Popular da China (RPC) é a potência ascendente que desafia a hegemonia dos Estados Unidos, essencialmente, no campo económico.
Perante a mobilização euro-americana das democracias na frente anti-russa, a China parece estar a preparar, como resposta, um reforço dos BRICS. Os BRICS, um acrónimo dos países membros – Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul – têm conhecido altos e baixos desde a sua fundação em 2009. Incluem duas grandes potências asiáticas, dois dos países mais povoados do globo – a China e a Índia; a estas juntam-se duas economias regionais líderes – o Brasil e a África do Sul. E a terminar, o maior país do mundo – a Federação Russa.
Em maio passado, um alto funcionário chinês, o Ministro dos Estrangeiros Wang Yi, anunciou em Pequim a vontade da China de expandir os países membros deste grupo de grandes economias “emergentes”. Coincidindo com este anúncio, surgiram notícias de que o Irão e a Argentina estariam, possivelmente, candidatos a membros.
Esta renovação parece ser vista com bons olhos por Pequim, onde se apontaram como negativas as baixas percentagens de crescimento de alguns dos países membros, nomeadamente da Rússia e da África do Sul.
Com o crescente antagonismo com os Estados Unidos – a política de contenção da China da Administração Trump foi dos raros pontos de continuidade com Biden – a China vê com interesse uma mobilização do grupo “económico” dos BRICS, como uma reação e resposta no quadro de uma nova “Guerra Fria”, à aliança euroamericana no quadro da NATO e União Europeia e à coligação Ásia-Pacífico de Washington com japoneses, australianos e sul-coreanos.
A linha chinesa parece querer explorar a “coligação” negativa criada pelos Estados que se recusaram a aplicar sanções à Rússia. Um novo quadro geopolítico e geoeconómico está em movimento e dele pode nascer uma nova ordem internacional.