“A indústria agro-alimentar tem sido uma das grandes revelações nos últimos anos no que se refere ao crescimento das exportações. Para isso muito contribuiu a modernização e inovação no sector, bem como o desenvolvimento de uma estratégia visando a divulgação no exterior do que de melhor cá se faz.”
Esta foi a realidade constatada em 2014, quando nos debruçámos, numa primeira análise, sobre o tema que agora trazemos de volta. Naquela altura, e ainda que os números apresentados traduzissem já uma trajectória de crescimento bastante animadora, alertámos para o imperativo de assegurar a continuação da internacionalização do agro-alimentar, maioritariamente na vertente das exportações. Cinco anos passados, o tema da internacionalização do sector começa a ser abordado nos media como uma prioridade nacional.
O sector agro-alimentar nacional está a passar por uma verdadeira transformação, permitindo-lhe alcançar grande sucesso nos mercados internacionais. Não sem enormes desafios que os empreendedores do sector são obrigados a ultrapassar. Têm-no feito com sucesso. Mas a sua acção, isolada ou em agrupamentos cooperativos ou de natureza semelhante, não será suficiente para garantir a continuação do caminho que vem sendo trilhado, sem uma verdadeira estratégia nacional para a internacionalização de um sector onde ainda há espaço para crescer.
Entre importações e exportações, estão em cima da mesa 17,5 mil milhões de euros (2018), dos quais 40% (cerca de 6,9 mil milhões) se devem a exportações agrícolas e da indústria agro-alimentar, a qual responde por 6,4% do total das exportações de bens e serviços da economia portuguesa. A subida de cerca de 2,5 mil milhões de euros das exportações agro-alimentares foi também um importante contributo para o equilíbrio, a que se assistiu nos anos mais recentes, da balança externa de bens e serviços. Mais ainda, a criação de valor no sector agro-alimentar que, em termos de matéria-prima, recorre essencialmente a recursos endógenos, tem um efeito multiplicador em todo o território nacional. O impacto económico e social do aumento do volume das exportações do sector é indiscutível, não podendo, por isso, ser descurado.
São valores expressivos que resultam de um extraordinário crescimento deste mercado a que se vem assistindo, particularmente desde 2010. Ainda assim, não suficiente para alcançar, desde logo, o tão desejado balanço do saldo comercial no sector - É preciso exportar mais! Igualmente não suficiente para garantir um reposicionamento sustentado do sector face à enorme concorrência externa, a começar, pelos próprios parceiros comunitários. Vejamos que, as alterações nos instrumentos da Política Agrícola Comum (PAC) ao longo das últimas décadas permitiram à UE, no seu conjunto, tornar-se a maior potência mundial no comércio agro-alimentar, sendo hoje (2018) o maior exportador (138 mil milhões de euros) e 2º maior importador (116 mil milhões) de produtos agro-alimentares de todo o mundo. No entanto, a maioria dos produtores portugueses sabe, com grande dissabor, o que isso verdadeiramente significou em termos do que foi sacrificado pelo sector nacional, numa relação com os parceiros europeus nem sempre benéfica para o nosso país. Para muitos, um trade-off em que Portugal ficou a perder e cujos impactos ainda hoje se sentem. A transformação de que hoje se fala, o crescimento a que se vem assistindo e que tem expressão ao nível do aumento das exportações, poderá não ser por si só suficiente para garantir um verdadeiro reposicionamento do sector nacional no contexto europeu - É preciso exportar mais! Como?
Quando olhamos para as causas deste crescimento tão aplaudido encontramos factores conjunturais, entre os mais expressivos, a crise económico-financeira de 2008-2009, e a consequente contracção do mercado e consumo internos que levou à procura de novos mercados alternativos aos quais se dava tradicionalmente pouca atenção. Embora os países europeus (com Espanha à cabeça) continuem a liderar os destinos das exportações agro-alimentares, nos últimos anos começaram a ganhar expressão mercados como Angola, África do Sul, Brasil, EUA (agora sob ameaça em virtude das novas taxas alfandegárias em vigor desde meados do corrente mês de Outubro) e até mesmo a Rússia, num contexto pré- embargo aos produtos europeus. É imperativo não perder esta dinâmica exportadora e continuar a apostar na diversificação e na melhoria do acesso aos mercados externos. Mas o actual clima de tensão entre a Rússia e os EUA, índoles proteccionistas que assolam importantes players comerciais e o arrefecimento da economia mundial poderão trabalhar contra aquele objectivo.
Por outro lado, são muitos os produtos portugueses com grande potencial. A comprová-lo estão os valores das exportações do azeite, do vinho, das conservas, do queijo português, dos crustáceos e molúsculos e de tantos outros produtos com a marca “Portugal”. E existe potencial para crescer ainda mais. O sector dos frutos de pequena baga (framboesa e mirtilo) está em clara expansão, despertando interesse crescente por parte de produtores, da indústria e dos consumidores. O sector animal tem também potencial para crescer, embora esteja sujeito a critérios exigentes de sanidade.
Mas é preciso mais do que potencial. O agro-industrial é um sector muito competitivo que exige uma enorme capacidade de resposta às crescentes exigências em matéria de inovação e qualidade. A modernização produtiva - uma das outras causas que encontramos na base do crescimento do sector e das suas exportações - tem de passar também por aqui. No entanto, esta pode não ser uma realidade ao alcance de muitos produtores num contexto nacional onde subsistem enormes disparidades e assimetrias entre micro, pequenas e grandes empresas e na sua capacidade de investimento em inovação e modernização.
Persistem, paralelamente, dificuldades de índole mais técnica como a falta de conhecimento das características e das regras de funcionamento dos mercados externos. Poderão estar em causa regras de segurança alimentar, medidas sanitárias e fitossanitárias que, no final, constituem um sério obstáculo à comercialização de produtos agro-alimentares e que não raras vezes obedecem a racionais eminentemente políticos dos actores envolvidos. No esclarecimento destas regras, as câmaras de comércio podem ajudar. Mas para a sua harmonização, mitigação ou até mesmo abolição (nos casos em que tal seja possível e aconselhável) o papel dos Estados e das suas instituições é fundamental.
A própria capacitação das empresas é outro ponto a analisar. A manutenção de uma presença nos mercados externos exige um profissionalismo em diferentes áreas, com graus de especialização diversificados, caso da logística, do conhecimento das regras administrativas locais, o suporte financeiro, a promoção, os quais têm de ser assegurados sem descontinuidade.
A capacidade de promoção das marcas no exterior é outro dos vectores da mudança. São ainda muitas as empresas do sector que têm grande dificuldade em “mostrar-se lá fora”. Não basta criar marcas. É necessário conseguir divulgá-las internacionalmente. Também aqui o papel das câmaras de comércio é essencial, apoiando a promoção dos produtos agro-alimentares em feiras internacionais, através de missões empresarias nos mercados-alvo, ajudando até mesmo na criação de parcerias com outras empresas locais que ajudem a dar voz ao produto nacional.
Estes são apenas alguns exemplos das dificuldades que os produtores portugueses enfrentam na sua internacionalização. Muito mais poderia ser dito quanto ao que é necessário fazer para dinamizar o sector e garantir a continuidade do aumento das suas exportações. No essencial… para exportar mais são necessários verdadeiros mecanismos de apoio ao investimento e à inovação e ao aumento da competitividade. É necessário garantir a qualidade do produto, ganhar escala, reduzir custos, conquistar poder negocial, atingir patamares mínimos de oferta, assegurar a sua continuidade e gerir a volatilidade das produções agrícolas. Nada disto será plenamente atingindo sem uma visão estratégica para o desenvolvimento do sector geradora de uma mudança verdadeiramente estrutural. Nada disto será plenamente atingido se a internacionalização do agro-alimentar não for tornada uma prioridade nacional.