Transição política em Angola – o que muda e o que fica

País e mercado onde, além de uma longa ligação histórico-cultural com Portugal, se radicam importantes interesses do nosso país em actividades financeiras, industriais e comerciais, envolvendo milhares de milhões em investimentos e exportações, Angola é e continuará a ser um parceiro estratégico vital para a economia e comércio portugueses.

Fruto da excessiva dependência do petróleo, Angola entrou em crise com a quebra acentuada do preço do crude nos mercados internacionais. Adiamentos e atrasos nos pagamentos tornaram-se cada vez mais frequentes e as reservas de divisas diminuíram significativamente. Perante a falta de negócios e os obstáculos à expatriação de capitais, centenas de empresas portuguesas abandonaram Angola nos últimos anos e quase metade deixou de exportar ou reduziu drasticamente as suas exportações para o país. Entre 2014 e 2016 cerca de 4 000 empresas nacionais deixaram de ter Angola como destino das suas exportações e destas cerca de 2 700 tinham no mercado angolano o único destino das suas vendas internacionais.
Mas a situação parece estar a melhorar com as exportações para Angola a encerrarem o primeiro semestre do ano com um crescimento de 47%. Importa pois saber se esta nova dinâmica poderá ser potenciada ou travada pelos resultados eleitorais de Agosto.

Muitas empresas e investidores portugueses seguem por isso com expectativa os acontecimentos políticos em Angola, onde a saída de José Eduardo dos Santos e a chegada de João Lourenço à Presidência da República anunciam um momento de transição política, mas que tudo indica se fará sem rupturas. A ausência de violência durante e depois do acto eleitoral é um sinal muito positivo quanto ao actual ambiente político no país. Mesmo que os protestos se mantenham, no curto prazo, eles não deverão levar a episódios de confrontação violenta nas ruas. As mais recentes declarações de líderes da oposição quanto ao seu compromisso para com formas de luta política respeitadoras da constituição e dos princípios democráticos reforçam este optimismo.

Mas no longo-prazo o cenário pode ser outro, caso o novo presidente não consiga responder aos anseios e necessidades de uma população descontente, galvanizada por forças da oposição, agora reforçadas no seu mandato. E João Lourenço pode, de facto, não conseguir fazê-lo, em grande parte, por factores endógenos ao MPLA e resistências que poderão surgir no próprio sistema instalado.

Veja-se que o fim de 38 anos de liderança de José Eduardo dos Santos trará, acima de tudo, uma mudança na classe política, uma maior representatividade da oposição no parlamento e uma nova equipa governativa, mas não necessariamente uma mudança da classe dirigente. Apesar de ter perdido 25 lugares, o MPLA ainda tem uma maioria significativa, controlando dois terços da Assembleia Nacional. O próprio José Eduardo dos Santos manter-se-á, por ora, à frente do MPLA e algumas figuras interessadas na manutenção do status quo poderão tentar consolidar a sua posição junto do ainda líder do MPLA e nas estruturas do partido, usando-as para influenciar o novo governo. Existem, pois, factores que poderão contribuir para a manutenção de uma estrutura paralela de poder, sustentando cenários mais pessimistas de evolução da política e economia angolanas. E aqui as perspectivas não são boas para as empresas portuguesas. Se o novo presidente ceder à pressão de velhos interesses instalados, abstendo-se das reformas políticas e económicas necessárias, tolerando fenómenos de corrupção, uma nova equipa governativa não será suficiente para aumentar a confiança dos investidores, atrair capital estrangeiro e recursos humanos especializados de que a economia tanto necessita para crescer. Pouco ou nada mudará no ambiente de negócios no país.

Mas existem sinais que sugerem que José Eduardo dos Santos quer, de facto, abandonar a liderança do MPLA. Se assim for, e se o ex-presidente ajudar à criação das condições necessárias para que João Lourenço governe – o mesmo se aplicando às forças da oposição – as perspectivas poderão ser mais optimistas. Tudo dependerá, então, de dois factores-chave: das condições de governabilidade e da estratégia a seguir pela nova liderança.

No primeiro caso, o novo presidente tem de funcionar como elemento de compromisso entre os incondicionáveis de José Eduardo dos Santos (e da sua família) e figuras mais críticas dentro do partido. Uma das primeiras condições para que tal aconteça é a manutenção de boas relações com o seu antecessor e a garantia de um modus vivendi aceitável para todas as partes sem inviabilizar as mudanças que o país necessita. Igualmente importante são os 40% da população que não votou no MPLA. Neste capítulo, deve sublinhar-se que João Lourenço tem boas relações com importantes figuras da oposição – incluindo o líder da CASA-CE, Abel Chivukuvuku – e com vários representantes de outros quadrantes da sociedade angolana. Este é um factor que poderá beneficiar a negociação de consensos.

No segundo caso, o combate efectivo à corrupção e a melhoria da situação financeira do país deverão ser uma das prioridades da nova equipa para que o investimento estrangeiro e os parceiros internacionais regressem a Angola. A necessidade de apoio financeiro ao Governo torna uma intervenção do FMI um cenário cada vez mais provável, o que não deixaria de inspirar confiança aos investidores estrangeiros, peças-chave em qualquer que seja a estratégia a seguir pela nova liderança. João Lourenço tem de abrir a economia ao investimento estrangeiro sem grandes caveats e sem a imposição de “parcerias locais especiais” que desencorajam os investidores privados fora do oil and gas.

A dependência do petróleo está a forçar Angola a reconverter a sua economia o que, a prazo, será positivo para os angolanos, para os investidores estrangeiros e, consequentemente, para as empresas portuguesas. A par do petróleo, o país tem um enorme potencial agrícola e agro-industrial, com destaque para o café, o algodão e a fruta. Mas existem outros sectores que também podem vir a desempenhar papel central na diversificação da economia, nomeadamente, a pecuária, as florestas, a indústria transformadora, os transportes, as telecomunicações e as tecnologias de informação.

Neste momento de encruzilhada, em se verificando as condições de governabilidade necessárias e havendo vontade política para implementar as reformas estruturais exigidas, Angola terá aqui uma oportunidade de excelência para fazer desta transição política um verdadeiro ponto de viragem. Não será fácil e o novo presidente tem pouco tempo para mostrar os primeiros sinais de mudança. Mas estes primeiros sinais serão fundamentais para revigorar o ambiente de negócios do país, o investimento e as relações comerciais com parceiros internacionais. Se os sinais forem positivos, abrem-se melhores perspectivas para as empresas portuguesas, podendo esta dinâmica exportadora registada nos primeiros seis meses do ano ser ainda mais potenciada.

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