País com 127 milhões de consumidores e um PIB de 4,08 biliões de dólares, previsto para 2015, o Japão afirma-se hoje como a terceira maior economia do mundo. A economia japonesa abarca um conjunto significativo de grandes multinacionais viradas para as exportações e um enorme universo de PME que lhe trazem muita da inovação por que é conhecida. Os hábitos de consumo da sua população, marcadamente ocidentais fazem do Japão um mercado prioritário para vários países europeus.
Pelo potencial do mercado japonês e face às oportunidades que oferece às empresas portuguesas, a Câmara de Comércio e a CIEP, com o apoio da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Japonesa, organizaram no último dia 29 de Outubro o seminário “Exportar & Investir: Japão” (veja o vídeo). Um dos painéis que teve lugar no âmbito do programa deste seminário, a cargo do Professor Jaime Nogueira Pinto, deu ao público presente uma perspectiva histórica do Japão, destacando o impacto da chegada dos Portuguesas ao Japão e os desafios que a economia japonesa tem enfrentado ao longo do século XX e nestes primeiros anos do século XXI. Pela importância que o contexto histórico e cultural tem nas relações económicas e comerciais, transcrevemos o texto integral da intervenção.
Poderá também consultar as apresentações disponíveis e conhecer melhor o potencial deste mercado através deste link.
Professor Jaime Nogueira Pinto
Intervenção proferida no seminário “Exportar & Investir no Japão”
No admirável filme de Akira Kurosawa, Kagemusha (em Portugal, A Sombra do Guerreiro), há uma cena final que reproduz a batalha de Nagashino: vemos aí as descargas dos arcabuzeiros de Oda Nobunaga e Tokugawa Ieyasu que destroem a cavalaria de Takeda Katsuyori, num verdadeiro massacre. Os arcabuzeiros estavam protegidos por estacadas, tinham uma disciplina de fogo, as descargas vinham em sucessão ininterrupta, às ordens secas dos oficiais.
A carga da cavalaria dos Takeda nada pode contra este fogo cerrado dos seus opositores. Foi um massacre, como tinha sido um massacre a carga dos cavaleiros castelhanos em Aljubarrota, dos franceses em Crécy e será a carga da Brigada Ligeira em Balaclava. As cargas de cavalaria que não conseguem romper as linhas de Infantaria correm mal e acabam pior para os cavaleiros.
A batalha deu-se em 1575, mais ou menos trinta anos depois da chegada dos portugueses à ilha de Tanegashima. Ali, conta Fernão Mendes Pinto, ele, Diogo Zeimoto e Diogo Borralho, ofereceram ao governador Tokitaka duas espingardas. O Governador tomou conta delas e mandou a sua gente aprender, com os portugueses, a arte de fabricar as espingardas e também a pólvora. Daqui viria a espingarda de mecha japonesa, que rapidamente se aperfeiçoou. Segundo o mesmo Mendes Pinto, em 1556, já haveria mais de 300 mil espingardas no Japão, ao mesmo tempo que se testemunham os estudos e escritos sobre o seu uso, aplicação e aperfeiçoamento.
Oda Nobunaga, o vencedor de Nagashino, desenvolveu uma série de tácticas do tiro contínuo para os espingardeiros, graças à rotação das linhas, uma técnica que só no século XVII seria introduzida na Europa por Maurício de Nassau.
As armas de fogo foram decisivas na História do Japão: elas vão permitir, nas décadas seguintes, a pacificação do país e a unificação do Shogunato.
Tal como acontecera na Europa, com o fim do Feudalismo – para o que contribuíra o aparecimento da artilharia e sua concentração nas mãos da Coroa e o progressivo monopólio pelo poder central pelo seu poder dissuasor.
Nós, portugueses, fomos os primeiros europeus a chegar ao Japão. Aliás do Cabo Bojador para sul, fomos geralmente os primeiros europeus que os povos conheceram, desde as costas da África Ocidental e Oriental até ao Estreito de Malaca e ao mar do Sul da China.
Os Nanbanjin (bárbaros do Sul) lusos que chegaram a Tanegashima, foram também os primeiros europeus a chegar ao Japão. A seguir Jorge Álvares levou S. Francisco Xavier até Kagoshima. O Santo Jesuíta escreveria então a um amigo de Goa, dizendo-lhe que “de todos os povos hereges que tinha conhecido, o povo japonês era o melhor”.
Descreveu então os japoneses como “muito bondosos e honestos”, “com sentido de humor e uma ambição surpreendente de fama”.
Aproveitando as dificuldades políticas do tráfico entre o Japão e a China, os portugueses envolveram-se a intermediar esse comércio, ao mesmo tempo que os missionários difundiam o Cristianismo levando à conversão de vários senhores locais.
Mas esta receptividade não foi unânime e muitos poderosos olharam com desconfiança o Cristianismo e os missionários como introdutores de influência dos Bárbaros do Sul, que usariam a Religião para fins políticos. Por volta de 1570, os portugueses obtiveram licença para usarem o porto de Nagasaki, que se tornaria também uma cidade refúgio para os cristãos, e o centro do catolicismo no Japão até 1614. Os cristãos eram 350.000 nos finais do século XVI, numa população de 27 milhões.
Este tempo de implantação dos portugueses e do Cristianismo no Japão é também o tempo da ascensão e hegemonia unificadora de Oda Nobunaga e dos seus continuadores, Toyomi Hideyoshi e Tokugawa Ieyasu. Para tal contaram muito as armas de fogo levadas pelos portugueses. As relações começaram a deteriorar-se com a chegada - a partir de 1592 – sucessivamente de espanhóis, holandeses e ingleses.
Daqui veio uma sucessão de conflitos culturais e uma oscilação de altos e baixos nas relações dos portugueses com os governantes do Japão. Estes pareciam dispostos a aceitar os comerciantes, mas não queriam os missionários. Só que, do lado português, se punha o problema ao contrário – sem missionários não havia comércio. A partir de 1632, o Japão fechou-se por mais de dois séculos, a todos os estrangeiros.
Desta primeira presença portuguesa ficaram no idioma japonês algumas palavras que foram com os produtos ou objectos que simbolizavam: Bisuketto (biscoito), Shabon (sabão), Tabako (tabaco), Botan (botão), Pan (pão), Kopu (copo), Karuta (carta); ao contrário, Katana (catana) e Biombo vieram do japonês para o português.
A Era Meiji, a partir da independentização do Imperador em relação à tutela do Shogun, foi marcada por uma acelerada saída do isolamento. As elites japonesas entenderam a importância da ciência e da tecnologia dos ocidentais, mas tiveram o cuidado de não lhes importar os valores, os costumes e os modelos políticos. Fizeram assim um caminho próprio para a modernidade, uma espécie de modernismo conservador que caracterizou a sua História desde então.
Educaram os seus marinheiros nas Academias Navais inglesas e os seus militares nas academias alemãs. Em 1904-1905 venceram os russos na guerra russo-japonesa; depois atravessaram os anos turbulentos do nacionalismo imperial, da guerra na China e da Segunda Guerra Mundial, sendo as vítimas finais dos primeiros (e militarmente desnecessários) bombardeamentos atómicos.
Com Tóquio reduzido a cinzas pelas bombas incendiárias americanas, Hiroshima e Nagasaqui, uma terra queimada pelas bombas atómicas, mais de três milhões de mortos civis e militares; com a indústria destruída, a agricultura em metade da produção da pré-guerra, sujeito a uma ocupação militar e à transformação institucional, o Japão mostrou uma grande capacidade de sobrevivência e restauração.
Foi a partir deste menos zero, e sem recursos naturais, que a economia japonesa vai revelar um extraordinário desempenho com altíssimas taxas de crescimento anual na faixa dos 10%, nos anos que vão de 1950 a 1970.
Isto foi possível numa conjuntura de pós-II Guerra Mundial, que levou os Estados Unidos a uma aproximação maior com o Japão, passando os japoneses de inimigos e ocupantes a amigos e aliados, enquanto a América se mostrava um mercado importante para os produtos japoneses. A energia barata até 1973 e a colaboração tecnológica com os americanos também ajudaram. Mas, acima de tudo, foi a qualidade humana das elites e dos trabalhadores, o seu engenho, capacidade de adaptação, disciplina, austeridade e sentido da poupança. Mais um grande entendimento entre o Governo e as corporações industriais, comerciais e financeiras para uma estratégia nacional coordenada. Assim, sem recursos naturais no território, o Japão conseguiu transformar-se numa grande máquina industrial que nos anos 60 e 70 cobriu o mundo com os seus produtos.
Para um estranho, o sentido corporativo da economia japonesa, a sua dimensão ética, a ligação das pessoas à família e à empresa, a permanente disponibilidade e plasticidade dos quadros e dos trabalhadores para a inovação e a adaptação, a propensão dos indivíduos e das famílias para o entrosamento.
A seguir aos choques petrolíferos, as taxas de crescimento médias de 10% da década de 50 e 60 do século passado, baixaram para metade nos anos 70 e 80, continuando a balança de comércio a apresentar nos anos 90, saldos muito favoráveis. Estes números tenderam depois a recuar.
Envelhecimento
Um sinal de preocupação é o envelhecimento da população, resultante da congregação de dois factores: a queda contínua, desde 1950, da taxa de nascimentos e o aumento da esperança de vida nos mais velhos. A expectativa em relação ao envelhecimento e ao declínio dos números da população é crítica. Os japoneses, cerca de 127 milhões em 2014, poderão ser apenas 86 milhões nos meados deste século. O país tem uma política restritiva de imigração e o Governo de Shinzo Abe parece bem apoiado pela opinião pública no seu desígnio de manter a imigração sob controle estrito.
Uma nova Geopolítica
Entre o peso da guerra e da derrota e a imposição pacifista constitucional, o Japão manteve-se, apesar do crescimento económico que fez dele em certo momento, a segunda Economia mundial, bastante discreto e marginal em termos de influência política e capacidade militar.
Mas a prudência de exercer uma política externa e uma política de defesa que possam ser tomadas como “ameaças” pelos vizinhos, está a desaparecer. Isto deve-se não só a uma atitude menos complexada do actual primeiro-ministro Abe, mas também e sobretudo às mudanças geopolíticas na região Ásia-Pacífico: houve o crescimento espectacular da economia da República Popular da China e a preocupação de Pequim em se dotar do mais moderno e letal armamento, calculando-se que a despesa militar chinesa seja cinco ou seis vezes mais que a japonesa e continuando a crescer proporcionalmente. A zona transformou-se no teatro de uma silenciosa mas imparável corrida de armamentos. Apesar da anunciada mudança estratégica da prioridade norte-americana que passou a ser a Ásia-Pacífico, a política norte-americana dentro de uma política oficial de boas relações com a China, foi de apoiar todos aqueles países da região que se sentiam ameaçados por Pequim, que graças ao crescimento da sua economia se permitiu altos orçamentos militares e uma certa propensão de poder e influência política nestas regiões.
Além de procurar remover o complexo de culpa histórico imposto ao Japão, Abe tem defendido uma política de “pacifismo pró-activo”, levando as Forças Armadas japonesas a participarem mais em missões de Paz e cooperação. Ao mesmo tempo, desenvolveu as forças de Defesa do país e tem procurado remover várias limitações, até hoje colocadas às forças militares japonesas. A ideia – passados 70 anos sobre o fim da guerra, parece ter resultado e tem o apoio da maioria de opinião pública.

