O tempo e o lugar para as conversações entre os Estados Unidos e a Rússia, a capital saudita Riad, pode ter surpreendido muitos. Mas é um facto que a monarquia saudita tem uma já longa tradição de mediação de conflitos difíceis, sobretudo na região Médio-Oriente, mas também noutros espaços. Por exemplo, logo em Setembro de 2022, foi Riad que conseguiu uma troca de prisioneiros entre as partes em guerra, Russos e Ucranianos.
O papel dos sauditas na discussão e mediação de conflitos regionais tem uma longa crónica nos últimos anos, no Iraque, no Líbano e no Afeganistão. Ou na Palestina, como facilitador do diálogo entre o Hamas e a Fatah. Há algum tempo, o príncipe Turki Al Faisal, que foi embaixador no Reino Unido e nos Estados Unidos, depois de durante mais de vinte anos ter dirigido o serviço de inteligência nacional do país, explicou que nesta questão russo-ucraniana o Reino tinha votado nas Nações Unidas condenando a invasão russa, mas que se disponibilizara para mediar entre Kiev e Moscovo. E que assim fora o instrumento de uma troca de prisioneiros.
Um outro Estado do Golfo com grandes tradições de mediação é o Qatar, o pequeno sultanato, grande produtor de gás natural e que, devido a essa grande riqueza, tem protagonizado várias e discretas mediações: entre o governo do Iémen e os rebeldes Houthi entre 2008 e 2011, entre o Hezbollah e a Frente al-Nusra do Líbano em 2014. E também na Eritreia e no Darfur. E não esquecer que as conversações entre o governo norte-americano e os Talibã do Afeganistão para a retirada americana (que se transformou depois numa catastrófica saída) foram realizadas em Doha, no Qatar.
A mediação e conversações entre russos e americanos tiveram um pequeno e pouco conhecido precedente, quando em 8 de Dezembro de 2022, os ministros dos Negócios Estrangeiros da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos anunciaram a troca entre Brittney Griner, uma norte-americana presa na Rússia sob a acusação de tráfico de drogas, e Viktor Bout, um russo traficante de armas na prisão nos Estados Unidos. Os presos foram entregues em Abu Dhabi.
Não deixa de ser surpreendente – e para alguns chocante – o clima de distensão das conversas na capital saudita, entre representantes norte-americanos e russos: os chefes das delegações, o Secretário de Estado de Trump, Marco Rubio, e o Ministro dos Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, segundo o New York Times de 18 de Fevereiro, tiveram um encontro que, depois da hostilidade dos últimos três anos, não podia deixar de surpreender todos e chocar alguns. Um dos que reagiu mal foi o próprio Zelensky, que estava para visitar a Arábia Saudita e adiou a viagem, queixando-se das conversações que estavam a decorrer sem que ele fosse tido ou ouvido.
Do lado americano estiveram com Rubio o Conselheiro Nacional de Segurança de Trump, Michael Walz e Steve Witkoff, o amigo e enviado especial de Trump para o Médio Oriente. Do lado russo, com Lavrov, estavam Yuri Ushakov, conselheiro de Putin para a política internacional, e Kirill Dmitriev, responsável pelo Fundo Soberano Russo. A presença deste último e notícias sobre o restabelecimento de relações económicas e financeiras levaram os jornalistas do New York Times a especular sobre o levantamento de sanções à Rússia, que forçou muitas e grandes companhias americanas, como a petrolífera Exxon Mobil, a abandonar os seus programas e actividades na Rússia.
Quanto aos sauditas, procederam discretamente, sempre sob a direcção do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman mais como facilitadores do que como activos promotores dos encontros. O comunicado oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros, dando as boas vindas às partes em negociação, referia-se ao papel dos hospedeiros como “parte dos esforços do Reino para melhorar a segurança e a paz no mundo”.Os sauditas têm sido generosos na ajuda humanitária à Ucrânia, mas fizeram questão de estar disponíveis nesta circunstância, como os grandes facilitadores do primeiro encontro entre os “ex-grandes” da Guerra Fria. Acrescente-se que nunca aplicaram sanções à Rússia.
O presidente da Ucrânia, como é natural, reagiu mal e criticou duramente a atitude de Donald Trump, que não gostou nada das críticas do seu “ainda aliado”. Foi mesmo a partir daqui – e de uma notícia de Elon Musk de que o seu novo departamento de fiscalização de gastos ia fazer uma auditoria aos fundos enviados pelos EUA para a Ucrânia – que disparou a cizânia, com Trump a chamar Zelensky “ditador” com índices de popularidade baixos.
O encontro na Casa Branca veio depois destes eventos. Era para compor a crise com o negócio das “terras raras”, mas correu mal.

