Duas eleições – das europeias às legislativas francesas

Os resultados das eleições a 9 de junho para o Parlamento Europeu, apesar de anunciados como trazendo uma profunda mudança política, não trouxeram à instituição de Bruxelas a “alteração radical” propagandeada. Afinal, as vitórias da “extrema-direita”, designação dada aos partidos nacionais-conservadores e nacionalistas identitários dos grupos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) e Identidade e Democracia (ID), não foram tão radicais como as temidas. Na verdade, em termos numéricos, o eixo do poder no Parlamento de Bruxelas-Estrasburgo manteve-se ao centro, entre o Centro-Direita dos Populares Europeus e o Centro-Esquerda dos Sociais-Democratas. O Centro-Direita ficou com 198 deputados; os Sociais-Democratas com 136; entre uns e outros, os Liberais, do Renew Europe, perderam lugares, mas ficaram com 80; e os Verdes, muito causticados pelas eleições, perderam 19 lugares, mas mantiveram 52 parlamentares. Ou seja, este grande Centrão continua com 458 lugares em 720, o que lhe assegura uma maioria relativamente estável.

O que acabou por ser mais significativo nestas eleições europeias foram as repercussões dos resultados nos países membros, num momento de forte crise internacional, com os conflitos Rússia-Ucrânia e Israel-Hamas causando grande pressão na Europa e no Médio Oriente e dividindo, outra vez, a sociedade internacional em blocos.

Assim, a consequência mais importante das eleições de 9 de junho deu-se, sem dúvida, em França. Ali, perante a vitória dos nacionalistas identitários do Rassemblement National (RN), de Marine Le Pen e Jordan Bardella, o presidente Macron decidiu convocar eleições legislativas antecipadas para 30 de junho (primeira volta) e 7 de julho (segunda). Fê-lo clara e declaradamente com a intenção de “parar a extrema-direita”.

Em jogo vão estar 577 lugares no Parlamento. O sistema institucional da Quinta República, criado há mais de 60 anos pelo general De Gaulle depois dos anos de instabilidade governamental da Quarta República, privilegia a estabilidade das maiorias sobre a proporcionalidade das representações.

Saído com uma vitória significativa das Europeias o RN apresenta-se às legislativas com uma boa base de apoio em largas regiões de França. Na realidade, a primeira volta das eleições vai ser disputada por três coligações, uma vez que, perante a possibilidade de vitória do RN, as várias partes da Esquerda – Partido Socialista, Ecologistas, La France Insoumise (LFI) e Partido Comunista – decidiram recriar um “Front Populaire” em 13 de junho: o Nouveau Front Populaire.

Para tal tiveram que pôr de parte divisões sérias, quer ideológicas, quer pessoais: ideológicas quanto aos conflitos da Ucrânia e da Palestina, em que os Socialistas têm posições pró-Kiev e pró Israel e os LFI são críticos da NATO e pró-palestinianos, incorrendo mesmo num certo anti-semitismo; e pessoais porque o líder da LFI, Jean-Luc Mélenchon, não controla o seu temperamento irascível e autoritário e já erradicou das listas vários elementos críticos da sua liderança.

A terceira força é a Renaissance macroniana que pretende apresentar-se como o centro face aos extremos. Les Républicains de Ciotti e os nacionais-conservadores da Reconquête, de Éric Zémmour, têm um papel bastante secundário na disputa entre estes três blocos, embora os seus eleitores possam contribuir, na segunda volta, para a decisão de vários duelos Esquerda-Direita-Centro.

Se o RN ganhar a eleição e tiver maioria absoluta no Parlamento, haverá até às eleições presidenciais de 2027 uma “coabitação", isto é, um presidente centrista, Macron, com um governo de direita nacional, chefiado por Jordan Bardella.

Alguns cronistas e especialistas eleitorais franceses lembram agora as três coabitações passadas na Quinta República: a primeira entre 1986-1988, com François Mitterrand presidente e Jacques Chirac primeiro-ministro, com períodos de confrontação, levou à reeleição de Mitterrand. Em 1993, no segundo mandato de Mitterrand, depois de uma grande derrota socialista nas legislativas de 21 e 28 de março, houve, a par do desastre dos socialistas, uma grande vitória da RPR-UDF gaullista-giscardiana. O primeiro-ministro foi Édouard Balladur, que não foi eleito depois presidente da República – o eleito foi Chirac. E Chirac convocou eleições em 1997 que deram a vitória à Esquerda, sendo primeiro-ministro Lionel Jospin, que, com Chirac presidente, formou a terceira coabitação.

O cálculo de Macron seria que um governo Bardella sob a sua presidência poderia minar a credibilidade do RN e assim prevenir a eleição de Le Pen em 2027, o grande medo da Esquerda e do Centro.

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