A diáspora e a internacionalização

Na multiplicidade de estudos e trabalhos sobre internacionalização, muito se vem escrevendo sobre as suas formas e estratégicas, critérios de escolha dos mercados a abordar, facilidades e obstáculos à entrada nesses mercados, custos-riscos, benefícios etc. Questões essenciais em qualquer processo de internacionalização, mas que não serão, em si, o foco desta edição, em que optámos por nos debruçar sobre uma outra, ainda que relacionada com as anteriores, que consideramos igualmente importante: a relevância das comunidades de emigrantes sobre as exportações nacionais e como potenciar essas exportações, e a internacionalização da economia portuguesa, através de canais ligados a essas comunidades.

Portugal é tradicionalmente terra de emigração. Servindo-nos das palavras do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa por ocasião da sessão de encerramento do Conselho da Diáspora (dez.2016), “estamos em diáspora desde que nos conhecemos.” Das navegações pela costa atlântica e povoamento de algumas das suas ilhas, à empresa dos Descobrimentos e construção de um império colonial que se estendeu do Brasil ao Sudeste Asiático, passando por África e pelas Índias, às vagas de emigração na segunda metade do século XX que levaram tantos dos nossos ao Canadá e aos EUA, à Venezuela e à Argentina, França, Luxemburgo, Suíça e Alemanha, até à emigração dos tempos atuais em que vemos sair outros, com outras motivações e qualificações, e para países de escolha mais recente como a Noruega, Singapura, Dinamarca, Polónia etc., as comunidades portuguesas no exterior vêm crescendo, multiplicando-se e alargando-se na geografia que ocupam e onde prosperam.

Comunidades portuguesas no estrangeiro – pessoas que se estabelecem de forma permanente, trabalhadores temporários, diásporas étnicas, segundas gerações de emigrantes, cidadãos de dupla nacionalidade, luso-dependentes, nómadas digitais... – que mantém ligações a Portugal, em particular a produtos portugueses, representando isto (assim acreditamos) um potencial de exploração por parte das nossas empresas.

Mas como concretizar? Com que meios? Em que medida podem as empresas tirar partido destas comunidades para potenciar as suas exportações e os seus negócios?

 

“O Mercado da Saudade”

A emigração portuguesa constitui um exemplo típico do que usualmente se designa “diáspora cultural”: antiga desde há séculos, espalhada pelos quatro continentes, de muito significativa dimensão e conservando laços afetivos e materiais com as suas origens, não obstante o decurso de décadas e de gerações. De forte identidade cultural as diásporas têm vindo a desempenhar um papel cada vez mais importante nas sociedades onde se integram, assumindo crescente peso económico, cultural e político também.

Na perspetiva do Estado de origem, como não olhá-las como ativos estratégicos?

Na vertente económico-comercial, são indivíduos que compram, ou que podem vir a comprar, no seu país de acolhimento, produtos típicos portugueses por lhes recordarem a sua origem. A importância do “mercado da saudade” relaciona-se, neste aspeto, tanto com a oportunidade de exportação e escoamento de produção nacional, como ao facto de os emigrantes poderem estar dispostos a pagar preços relativamente mais altos, em virtude da maior dificuldade de aquisição destes produtos no país onde se encontram.

Igualmente importante é o empreendedorismo associado ao “mercado da saudade”. Um empreendedorismo que nasce pelas mãos de uma emigração que não sai para trabalhar por conta de outrem, mas, antes, que está na origem da criação de novos negócios, associados ao crescimento da diáspora e ao consumo de produtos típicos-tradicionais do seu país natal. Um empreendedorismo de oportunidade desde há muito praticado pelos emigrantes das décadas de 50-70, mas também levado a cabo agora pelas gerações mais novas com habilitações académicas de grau superior.

Note-se que, mesmo nos países com comunidades desde há muito estabelecidas onde poderia identificar-se algum nível de saturação no “mercado da saudade” (pela quantidade de negócios existentes), dado que o número de emigrantes tem vindo a aumentar nos últimos anos, o “mercado da saudade” poderá até constituir uma oportunidade renovada. Alguns estudos demonstram, mesmo, que as exportações de produtos portugueses para os “mercados da saudade” têm vindo a bater máximos históricos e a renovar-se. Em França, no Reino Unido, Suíça etc., nascem novas lojas dedicadas às marcas nacionais, onde se procura o tradicional, mas também novas experiências adaptadas às novas tendências e hábitos de consumo. Os emigrantes representam, por isso, nos seus países de acolhimento, um importante nicho de mercado para o desenvolvimento de negócios das empresas portuguesas em áreas que vão da alimentação, bebidas e restauração, a um conjunto vasto de serviços que se estendem da cultura à área financeira.

A importância do “mercado da saudade” no processo de internacionalização vai mais longe, ao funcionar também como rampa de lançamento para outro público local que não o português ou de origem portuguesa; ao funcionar como mecanismo impulsionador e montra de divulgação dos nossos produtos nos mercados externos. Por outras palavras, o “mercado da saudade” passa não só pela venda do que é português mas também pela promoção que os próprios membros das comunidades emigradas fazem, nos países onde vivem, dos produtos nacionais, tornando-se embaixadores de facto das nossas marcas, serviços e soluções. Porque no final, o que interessa é o mercado externo: onde está a saudade do que é ser português, mas onde também se encontram outros potenciais consumidores e, não raras vezes, maior poder de compra. Tradição deverá por isso andar par e passo com qualidade, diferenciação e inovação.

 

Para lá da saudade

A expansão internacional das nossas empresas faz-se essencialmente por proximidade geográfica, mas também por proximidade cultural e linguística (principalmente numa fase inicial da internacionalização). O ranking de clientes de Portugal - liderado pela Espanha, França e Alemanha e Reino Unido (responsáveis por 56,5% das nossas exportações de bens em 2020) e o destaque que nele assume o conjunto de mercados de língua portuguesa (4,2%), com Angola e Brasil à cabeça - não é alheio a este fenómeno.

Segundo um estudo da OCDE (2009), onde esta se debruça sobre os motivos que levam as empresas a internacionalizarem-se, é dado destaque à importância dos laços familiares e sociais com comunidades de emigrantes em mercados internacionais; laços que não raras vezes se tornam o fio condutor para a internacionalização, pois podem significar oportunidades de exportação. Muitos outros estudos apontam no mesmo sentido: a aproximação linguística e cultural tende a funcionar como alavanca potenciadora de relações comerciais (e laborais) com mercados externos. Realidade onde as comunidades emigrantes e seus descendentes assumem um papel central.

Mais ainda, embora numa dimensão informal, e geralmente menos visível, as comunidades de emigrantes tendem a desempenhar um importante papel enquanto canal de informação e facultação de business inteligence sobre mercados, facilitação de fluxos comerciais, de parcerias empresariais e de IDE, assim como enquanto veículo de ligação a networks locais.

Uma apresentação detalhada de números levar-nos-ia a alongar o texto. Fiquemos por isso com a ideia de que a vasta diáspora portuguesa, através das suas associações e empresários, tem apoiado a entrada de empresas portuguesas em mercados como os EUA, Canadá, Brasil e tantos outros. Os fluxos migratórios para o Reino Unido, principalmente a partir de 2012-2013, tem igualmente ajudado à entrada de empresas neste mercado, sobretudo tratando-se de PMEs em áreas tão diversas como a restauração e consultadoria. Contactos e parcerias fundamentais não apenas para exportar, como também para aceder a matérias-primas, infraestruturas e outros recursos necessários para operar localmente.

A participação de elementos destas comunidades em muitas câmaras de comércio lusas, associações empresariais e confrarias é igualmente importante entre tantos outros exemplos que poderiam ser dados e que nos levariam ao nosso ponto de partida: mais do que úteis, as comunidades de emigrantes portugueses e/ou de origem portuguesa devem ser encaradas como essenciais na abordagem aos mercados externos; assim deve ser na lógica de mais fácil acesso ao mercado, aumento das exportações, realização e captação de IDE, de ajuda à internacionalização. Será, por isso, necessário garantir um maior envolvimento e ligação deste universo de pessoas às empresas e à diplomacia económica portuguesa. Um universo que estando longe, muito longe, mais do que nunca deveria estar perto. Muito perto.

Ser Associado da Câmara de Comércio significa fazer parte de uma instituição que foi pioneira do associativismo em Portugal.

 

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