Sustentabilidade e ESG (sigla inglesa para environmental, social and governance: em português ambiental, social e governo societário) estão, legitimamente, na ordem do dia. Dificilmente deixamos de ouvir estas palavras em debates públicos ou privados no meio empresarial. No entanto, a expressão “diligência devida”, ou due diligence em inglês, não goza do mesmo protagonismo. Simultaneamente, discute-se a nível europeu a proposta de diretiva relativa ao dever de diligência [devida] das empresas em matéria de sustentabilidade (doravante referida como “Diretiva”). Não é exagerado dizer que a Diretiva poderá revolucionar o mundo empresarial, levando a que as empresas que desejem continuar a ser fornecedoras de grandes empresas possam ter de incluir a diligência devida, ou due diligence, no seu vocabulário diário.
De que se trata a diretiva?
No dia 23 de fevereiro de 2022, foi publicada pela Comissão a proposta de Diretiva. De forma muito sumária, esta Diretiva obrigará determinadas empresas europeias ou que operem na União Europeia – essencialmente, empresas de muito grande dimensão e empresas de grande dimensão de setores considerados de alto risco – a responsabilizar-se pelos impactos nos direitos humanos e por determinados impactos ambientais causados pelas suas atividades, pelas atividades do seu grupo e por determinadas empresas com as quais se relacionem, em particular os seus fornecedores. Esta responsabilização é feita através do processo de diligência devida (ou due diligence).
A Diretiva é baseada nos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, reconhecidos por unanimidade em 2011 pelo Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas (doravante referidos como “UNGPs”), que reconhece a responsabilidade das empresas de respeitar os direitos humanos e abordar os impactos adversos com os quais se encontrem ligadas através das suas operações ou relações de negócio, bem como as Linhas Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais e o Dever de Diligência.
O que é a diligência devida/due diligence?
A diligência devida ao abrigo da Diretiva difere do processo tradicional de due diligence aplicado pelas empresas previamente a uma transação. As empresas obrigadas deverão implementar este processo contínuo para identificar, prevenir, mitigar e comunicar a forma como abordam os impactos adversos nos direitos humanos e no ambiente, decorrentes das suas operações e de determinadas empresas com quem se relacionem. Assim, as empresas deverão focar-se não no impacto que determinados fatores externos, em particular os direitos humanos e fatores ambientais, têm nas suas operações ou no seu valor, mas como é que as suas operações – ou operações de determinadas empresas com quem se relacionem – impactam os direitos humanos e o ambiente. É um raciocínio “de dentro para fora”, ao contrário da diligência devida tradicional, que se preocupa com o impacto “de fora para dentro” da empresa e para o seu valor.
Sou uma PME e não estarei abrangida diretamente pela aplicação da Diretiva – por que devo implementar o processo de diligência devida?
As PMEs não estão incluídas no âmbito de aplicação direto da Diretiva, ou seja, a Diretiva não lhes é diretamente aplicável. Sem prejuízo disso, é quase inevitável que a Diretiva seja indiretamente aplicável a muitas PMEs, por força da cadeia de valor das empresas abrangidas. Simplificando: uma grande empresa deverá identificar e avaliar os efeitos negativos nos direitos humanos e no ambiente dos seus fornecedores e adotar medidas para abordar estes efeitos. Além disso, a Diretiva prevê a responsabilidade civil das empresas, em determinadas situações, pelos efeitos negativos causados pelos seus fornecedores. Ora, é expetável que uma grande empresa questione o seu fornecedor sobre o processo de diligência devida que tem implementado, sobre os efeitos adversos que identificou e sobre a forma como os aborda. Caso a PME tenha um processo implementado, terá uma vantagem negocial, será um menor custo para a grande empresa e será um menor risco. Caso não tenha, é presumível que a grande empresa peça esta implementação ou, no limite, que considere excluir o fornecedor.
A própria Diretiva contém referências às PMEs, reconhecendo a aplicação indireta da Diretiva, bem como a necessidade de implementar medidas de apoio às PMEs no cumprimento dos requisitos em matéria de diligência devida. Além disso, os UNGP, com base nos quais a Diretiva foi redigida, preveem a proporcionalidade dos meios que uma empresa deve empregar no processo de diligência devida tendo em conta, entre outros fatores, a dimensão da empresa.
Por que devo preocupar-me agora?
A proposta de Diretiva encontra-se sob discussão. Depois da sua aprovação, a Diretiva terá de ser transposta para a legislação nacional pelos Estados-Membros e entrará em vigor, em princípio, até dois anos após a aprovação (embora este prazo se encontre em discussão).
No entanto, a implementação prévia de processos de diligência devida, em especial empresas que pretendam internacionalizar-se, poderá trazer muitas vantagens. Primeiro, não se espera que esta implementação seja breve – pelo contrário. Envolve designadamente a aprovação de políticas e procedimentos internos, comunicação constante com partes interessadas, ou stakeholders, processos de identificação e avaliação de riscos e aprovação de um plano para abordar os impactos. Segundo, porque a implementação deste processo numa fase em que ainda poucas empresas o fizeram pode ser utilizada como uma vantagem competitiva, nos termos acima descritos. Muitas grandes empresas já se encontram a implementar processos de diligência devida. A implementação após a entrada em vigor da Diretiva não permitirá uma diferenciação. Terceiro, porque em alguns países da União Europeia – França, Alemanha e Noruega – estas regras já existem. Portanto, as empresas destes países já iniciaram a implementação dos processos de diligência devida e encontram-se, por isso, em melhor posição. Quarto, porque este processo permite a identificação numa fase inicial de potenciais impactos negativos nos direitos humanos e ambiente, que podem também gerar graves riscos para as empresas, e a resolução antecipada destes impactos. Quinto, porque existe uma tendência crescente na legislação europeia no sentido de a adoção do processo de diligência devida ao abrigo dos UNGP ser um requisito para que uma empresa possa ser considerada sustentável. Este processo já se encontra refletido (i) no Regulamento Taxonomia, que define que atividades económicas se podem considerar sustentáveis do ponto de vista ambiental (ii) no Regulamento relativo à divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade no setor dos serviços financeiros (mais conhecido como SFDR), em particular no princípio de não prejudicar significativamente, que deverá ser cumprido para que um produto financeiro se possa considerar um investimento sustentável, e (iii) na Diretiva sobre o relato de sustentabilidade das empresas (mais conhecida como CSRD).
A implementação de processos de diligência devida permite tornar as empresas mais competitivas, melhorar a sua reputação e a confiança do mercado e atrair potenciais clientes. É “doing well by doing good" - lucrar tornando o mundo melhor.
Autora: Inês Crispim, Associate Researcher no NOVA Knowledge Centre for Business, Human Rights and the Environment