O oceano é uma vítima conhecida das alterações climáticas, mas também um espaço de soluções com elevado potencial para as combater. Carbono azul e renováveis oceânicas são apenas dois exemplos de como o uso sustentável do oceano e dos seus ecossistemas pode ser um game changer no domínio climático. Isso mesmo foi de novo abundantemente enfatizado na 10.ª conferência da revista The Economist, World Ocean Summit, regressada a Lisboa.
Se o carbono azul (e refiro-me a soluções de base natural) diz respeito à remoção do carbono assente nos ecossistemas marinhos, como as algas ou as pradarias marinhas, as renováveis oceânicas são uma forma de contribuir para o cortar ou evitar emissões de carbono. Ambas as vias são absolutamente críticas para um mundo em emergência climática porque, infelizmente, não basta cortar emissões, é também necessário remover e sequestrar o carbono que há existe na atmosfera.
A informação científica demonstra que os ecossistemas marinhos têm uma capacidade superlativa para fixar carbono, bem mais elevada do que os melhores ecossistemas terrestres, de que a floresta tropical é o exemplo cimeiro. A função de sumidouro de carbono do oceano tem passado despercebida a nível global a ponto de ser pouco ou nada considerada para efeito de proibição de práticas que libertam o carbono armazenado, como o arrasto de fundo, ou de justificação para uma proteção mais robusta de diversos ecossistemas (mangais, pradarias, etc.). É preciso valorizar essa função, sem se dar um valor, há sempre outras atividades aparentemente mais interessante no imediato.
São, pois, indispensáveis as ferramentas, como os mercados voluntários de carbono, que reconheçam esse valor e impulsionem investimentos no sentido de promover mais remoções e sequestro de carbono. Para este efeito estamos num momento especialmente interessante: a Comissão Europeia apresentou recentemente a sua proposta de regulamento de certificação de remoção de emissões, e refere expressamente os ecossistemas marinhos; o Governo português apresentou para discussão um projeto de diploma destinado a lançar os mercados voluntários de carbono, abarcando também o domínio do mar. É um caminho promissor, não isento de críticas, e por isso com necessidade de ser bem trilhado. Temas como a adicionalidade, essencial para evitar um green (ou blue) washing, ou o registo, fundamental para dar credibilidade e robustez ao mercado, evitando duplas transmissões dos mesmos direitos, têm de ser tratados com todo o rigor e segurança, sob pena de ser perder uma grande oportunidade.
Em qualquer caso, o uso de direitos transacionáveis, para efetivamente acrescentar e não ser apenas um caminho fácil de mascarar emissões crescentes, tem de ser limitar às parcelas de emissões para as quais não há ainda soluções viáveis de redução. O que me leva ao segundo tópico: reduzir ou evitar emissões por via da transição energética.
A nível mundial, o setor da energia corresponde à maior fatia na responsabilidade pela emissão de gases com efeitos de estufa. Cortar ou evitar emissões neste setor é um caminho incontornável. Com as melhores cumeeiras ocupadas já por eólicas e com o solar a disputar espaço nas cidades e no campo, o mar aberto surge como uma grande oportunidade. De águas pouco profundas, com soluções já encontradas, avança-se para soluções flutuantes, para águas mais fundas, especialmente relevantes para países como Portugal, com mar profundo bem perto da costa (não é por acaso que o primeiro projeto global de eólica flutuante, destinado a águas profundas, foi instalado em Portugal para testes em 2011). Para produção de eletricidade para injetar na rede ou de hidrogénio verde, nomeadamente para abastecer navios, há potencial e variedade suficientes para continuar a testar novas soluções e escalar outras.
Em todos estes domínios há um ponto comum: o acesso e o uso do espaço marítimo e marinho e a necessidade de garantir a escolha e a coexistência harmoniosa dos vários usos. A legislação em Portugal neste domínio, aprovada em 2014 e 2015 e pioneira a nível mundial, conhece crescentemente aplicação prática. Concebida para permitir iniciativas pública e privada, tem vindo a ser testada nessas duas frentes, sendo a recente definição de áreas em consulta pública para a instalação de parques eólicos offshore exemplo da primeira.
O oceano é muito vasto e parece vazio, mas os interesses são muitos múltiplos e nem sempre coincidentes, pelo que a lei será chamada com frequência a preveni-los e a resolvê-lo. Se é certo que a lei portuguesa favorece claramente a coexistência de usos na lógica do melhor aproveitamento do espaço, dentro desses usos vale a pena priorizar os que claramente contribuem para conter as alterações climáticas. Esses são hoje os mais urgentes.
Assunção Cristas
Professora Associada da Nova School of Law
Coordenadora do Master´s Degree in Law and Economics of the Sea – Ocean Governance
Diretora do NOVA Ocean Knowledge Centre
Of Counsel na VdA responsável pela área Ambiente e pela Plataforma de Serviços Integrados ESG