Os Founding Fathers, redactores da Constituição norte-americana, tinham a consciência de ter de harmonizar os grandes princípios da Liberdade e da Soberania Popular com a realidade de fundar um Estado com ambições continentais; depois de vencerem a Guerra da Independência, na Convenção de 1787, efectuaram a primeira Revisão da Constituição de 1776. Foi com estas preocupações, e procurando responder-lhes, que instauraram um sistema de Três Poderes – Executivo, Legislativo, Judicial – exercidos respectivamente pelo Presidente, pelo Congresso e pelos Tribunais. Tiveram em mente, no Legislativo, fazer a representação igual dos Estados – um Senado de dois senadores por Estado, independentemente da sua área ou população; mas na Câmara de Representantes, ao contrário, a representação é proporcional à população de cada Estado.
De dez em dez anos, o US Census Bureau trata de contar a população de cada Estado da União e, em função dos números, atribuir-lhes a representação na Câmara. Assim, há hoje Estados como a Califórnia que têm 52 representantes; o Texas tem 38, a Flórida 28 e Nova Iorque 26. Comparando com o passado vê-se o crescimento relativo da população para Oeste e Sul. Em 1920, a Califórnia tinha 11 representantes, o Texas 18, a Flórida 4 e Nova Iorque 43.
Uma das preocupações dos redactores da Constituição era que os Estados maiores não dominassem os outros. É claro que, na altura da redacção da Constituição e das primeiras revisões, os Estados Unidos eram essencialmente as colónias do Leste, da Nova Inglaterra. A igualdade de representantes no Senado, dois e sempre dois por Estado, garantia essa igualdade.
E a Câmara dos Representantes, com 435 membros tem, através do controlo financeiro, um papel decisivo na política da União. Fá-lo através de comissões especiais, das quais as mais importantes são as Appropriations, Budget, Commerce, Rules e Ways and Means.
As funções principais da Câmara dos Representantes têm a ver com a política fiscal e com a discussão e aprovação do Orçamento. Nas eleições de Novembro passado, os Democratas conservaram o Senado mas perderam a Câmara dos Representantes, vencida pelos Republicanos, embora com uma maioria mais reduzida que a esperada.
Na Câmara actual há 222 Republicanos, 212 Democratas e um lugar vago. De qualquer modo, senhores dessa maioria, os Republicanos pretendem agora promover uma série de acções que abrem uma frente de combate contra a Administração Biden: inquéritos às actividades do Departamento de Justiça e do FBI, que terão sido “manipulados” pela Casa Branca; inquéritos às actividades de Hunter Biden, o filho do Presidente, com um currículo de negócios obscuros na Ucrânia e na China, e a quem os Republicanos acusam de tráfico de influência, usando o nome do pai; está também previsto um inquérito à saída do Afeganistão e às origens “chinesas” da Covid-19. Finalmente, tema permanente das queixas dos Republicanos, a incapacidade da Administração Biden de proteger a fronteira Sul dos Estados Unidos da imigração ilegal.
Estas diligências começaram já na Quarta-feira, 11 de Janeiro, com o House Oversight Comittee a pedir ao Departamento do Tesouro informações sobre as finanças e actividades económicas da família Biden; por outro lado, responsáveis do Twitter vão ser chamados à Câmara para responderem às acusações de terem impedido a publicação de informações sobre os negócios dos Biden. A base para estes inquéritos -que são também uma resposta dos Republicanos, agora senhores da Câmara Baixa, aos inquéritos e devassa ao ex-presidente Trump, nomeadamente o raid do FBI à sua propriedade de Mar-a-Lago.
As audições dos executivos do Twitter têm a ver com alegada “censura” a um artigo do New York Post sobre os negócios de Hunter Biden nas vésperas da eleição presidencial de 2020. Um irmão de Joe Biden, James Biden, está também sob inquérito.
Mas além destas iniciativas coerentes com a luta partidária interna e com a vontade dos representantes do GOP de abrirem inquéritos à gestão democrática, que até agora estavam bloqueados graças ao controlo pelos democratas da Casa Branca e de todo o Congresso, a questão principal diz respeito ao futuro da ajuda militar à Ucrânia.
Há alguns motivos para essa preocupação: em Outubro do ano passado, o então líder da minoria republicana, Kevin McCarthy, afirmou que os Republicanos, se ganhassem a Câmara, não passariam “um cheque em branco” para a ajuda militar à Ucrânia. Agora isso aconteceu, e hoje McCarthy é o líder da maioria; outra representante republicana, Marjorie Green, criticou a visita do presidente Zelensky ao Congresso e pressionou para um maior escrutínio da ajuda militar a Kiev; alguns conservadores não votaram McCarthy às primeiras voltas por serem críticos da continuação do apoio à Ucrânia, que este defende com condições.
Considerando que no extremo ideológico oposto, na extrema-esquerda, o Congressional Progressive Caucus pediu ao presidente Biden que abrisse conversações directas com a Rússia, procurando uma solução de paz, e apesar do apoio bipartidário se manter por enquanto, estes são sinais preocupantes para o futuro da ajuda americana a Zelensky, sendo que é esta ajuda que tem permitido aos ucranianos defenderem-se.

