Crise dos Contentores

Nova ameaça ao comércio internacional

Enquanto muitos falam, e com justiça, de recuperação económica, retoma das trocas comerciais, aumento paulatino das exportações, e numa altura em que muitas empresas estão finalmente a pôr-se de pé e a começar a respirar de alívio depois de sensivelmente ano e meio em modo de sobrevivência ou hibernação, eis que começam a ter eco vozes que há mais de um ano vêm alertando para mais uma crise no horizonte com potencial para fazer tremer o comércio mundial: a escassez de contentores e o congestionamento do transporte marítimo internacional.

Há um desequilíbrio entre oferta e procura no setor do transporte marítimo, com a segunda a ultrapassar largamente a atual capacidade de resposta da primeira. As opiniões divergem quanto às causas deste desequilíbrio, até mesmo entre os especialistas. Mas há factos que são incontornáveis e por todos reconhecidos: os transportes marítimos estão mais caros e os prazos de entrega mais irregulares. Os impactos no comércio internacional fazem-se sentir e tenderão a agravar-se tanto mais quanto se arrastarem aqueles dois problemas, a que se somam tantos outros. Faremos referência aos principais.

 

A(s) origem(s)

Ainda que sem unanimidade quanto às origens do problema, a escassez de contentores, ou com mais exatidão, de contentores em circulação, em resultado das medidas restritivas aplicadas pela generalidade dos países em contexto pandémico, é a causa primeira (mais recente) para a subida de preço dos transportes marítimos. A escassez de contentores não é, em si, uma novidade. Há muito que a indústria transportadora lida com dificuldades para dar resposta às necessidades do setor. Mas a crise pandémica veio, indubitavelmente, agravar sobremaneira este cenário.

À medida que a pandemia de covid-19 se espalhava da Ásia às Américas, pelo caminho atravessando toda a Europa, assistiu-se à imposição de medidas de confinamento que (por razões já sobejamente desenvolvidas) ditaram uma quebra das trocas à escala mundial e o abrandamento/interrupção da produção, fruto da redução drástica de encomendas. Com menos mercadorias para transportar e face ao abrandamento das trocas e dos movimentos económicos, os operadores e agentes de navegação reduziram as suas frotas, pararam os seus navios nos portos, principalmente nos portos chineses – note-se que dos 11 maiores portos marítimos internacionais, 8 encontram-se na China (Business Insider )– onde, de dia para dia, se foram acumulando contentores. Nesta primeira fase, foram os comerciantes asiáticos, principalmente a China, os que mais sentiram esta crise.

Mas se a Ásia foi a primeira afetada, foi também a primeira a recuperar, liderada pela China que rapidamente acelerou a sua economia, centrando-se fortemente nas suas exportações, enquanto o resto do mundo ainda se via a braços com isolamentos, restrições à circulação e indústrias a meio gás.

Neste quadro, a consequência imediata foi que os contentores estacionados na Ásia seguiram para os mercados europeus e para a América do Norte, sem no entanto conseguirem regressar com a rapidez desejada. As restrições ainda em vigor no resto do mundo afetavam a disponibilidade de mão-de-obra não apenas nos portos do ocidente, mas também nos depósitos de carga e linhas de transporte terrestre. Mas os contentores vindos do oriente continuavam a chegar, a acumular-se, ao ponto de as alfândegas se virem mergulhadas em congestionamentos quase impossíveis de gerir. A América do Norte foi disso um caso paradigmático, ao enfrentar um desequilíbrio de 40%, i.e., para cada 100 contentores recebidos, somente 40% eram exportados. Noutro prisma, 60 em cada 100 contentores permaneciam em terra. um ano e meio depois do eclodir da crise, pouco mudou.

 

As consequências

Uma das primeiras consequências desta evolução é facilmente percetível: a acumulação de contentores e sua retenção em vários portos.

Dizem-nos as leis do mercado que, mantendo-se a procura, a escassez de um bem faz aumentar o seu valor. Assim aconteceu com os contentores e com os fretes marítimos.

As taxas de transporte dispararam em todas as rotas, com a maior subida de todas a registar-se no transpacífico. Dados da Freightos indicam que um contentor proveniente da China com destino à costa oeste dos EUA custa agora mais de 15 mil USD (c. de 13 mil €), uma subida de quase 1000% face aos valores praticados em contexto pré-pandemia. Ainda que com menor expressão, o preço dos fretes marítimos entre a Ásia e a Europa também já atingiu variações consideradas astronómicas. Segundo a consultora Drewry, a taxa de variação anual de um frete entre Xangai e o porto de Génova, por exemplo, atingiu os 556%. Tratando-se do porto de Amesterdão, esse valor sobe para os 635% (Agosto, 2021).

Não há contentores disponíveis, os fretes estão mais caros, e com portos e alfandegas altamente congestionados, os prazos de entrega de mercadorias não são garantidos, com atrasos substanciais que levam, já em muitos casos, a sérias ruturas nas cadeias de abastecimento.

A acrescentar à escassez de contentores, muitos há que são transportados vazios. Uma situação que, em rigor, não é totalmente inédita. Geralmente, as transportadoras tentam abastecer os contentores de modo a conseguirem lucrar com as taxas de envio em ambas as direções. Mas o contexto atual é diferente e, uma vez mais, é a China que está no centro da mudança. Resumidamente: Pequim começou a pagar prémios muito significativos pelos contentores - o custo de transporte de mercadorias da China para os EUA, por exemplo, é quase 10 vezes maior do que na viagem de regresso (EUA-China) – o que levou a que se tornasse mais lucrativo trazê-los de volta vazios, em vez de carregados. Para a China compensa. Para muitos dos principais players mundiais do shipping também.

O comércio global de alimentos é uma das áreas onde os impactos são particularmente visíveis. Ao mesmo tempo que navios transportam contentores vazios, há alimentos acumulados nos locais errados que não chegam ao seu destino. Os países lançaram-se, numa verdadeira corrida/disputa mundial por contentores marítimos (o que também ajudou a que os preços disparassem). Na Tailândia acumula-se arroz que não é exportado para o resto do mundo. O Canadá (2º maior produtor mundial de leguminosas) não consegue escoar ervilhas e lentilhas. Na Índia acumulam-se stocks de açúcar (2º maior produtor mundial). O Vietname enfrenta sérias dificuldades em exportar o seu café, com quebras nos embarques em torno dos 20% mensais. Nos EUA, há atrasos substanciais nos embarques de soja, ao mesmo tempo que, do outro lado do mundo, aos consumidores asiáticos começa a falta leite de soja, tofu etc.

Se de um lado não sai, do outro lado da equação há quem não receba. Um pouco por todo o mundo há compradores de alimentos que continuam à espera, enquanto outros chegam mesmo a suspender totalmente as suas compras.

Se à falta de produtos que tardam em chegar associarmos taxas de transporte cada vez mais altas, o resultado dificilmente será outro que não a subida do preço dos bens alimentares. No início de janeiro de 2021, o preço do açúcar atingia o valor mais alto registado nos últimos 3 anos.

 

Um problema nunca vem só...

A somar à escassez de contentores, faltam também navios especializados neste tipo de transporte (porta-contentores). Grupos de transporte marítimo em todo o mundo já dão sinais de alarme. Nos próximos 3 a 5 anos a falta de navios vai fazer-se sentir. Não obstante vários países terem já encomendado vários navios, tudo indica que, tendo em conta a procura em massa por novos porta-contentores, se avizinham “anos tensos” para as empresas com falta de meios para cumprir os prazos previstos.

Empresas distribuidoras, fornecedores de produtos e matérias-primas, empresas e/ou indústrias compradoras... A crise dos contentores afeta, no término desta complexa cadeia, o consumidor final. Há ruturas de abastecimento que já começam a fazer-se sentir no dia-a-dia dos consumidores. É importante não subvalorizar a potencial dimensão do problema e alertar abertamente para a possibilidade de, em breve, podermos testemunhar a primeira grande quebra de produtos disponíveis nas prateleiras das lojas e supermercados.

Quais as perspetivas de evolução? Diz-se que “não há mal que sempre dure”. Vamos esperar que assim seja. Especialistas, desde logo do sector da logística, acreditam que o cenário vai melhorar. No entanto, as suas estimativas apontam no mesmo sentido: o pior está ainda para vir, apontando para nunca menos de 1 ano para que a situação volte a equilibrar-se.

 

As empresas portuguesas

Portugal não escapa a esta crise que não conhece fronteiras e que afeta as cadeias de abastecimento de uma variedade de indústrias. Desde logo, a incerteza nos fornecimentos, a irregularidade nos prazos de entregas de mercadorias, os meses de espera por matérias-primas, têm afetado uma das mais importantes indústrias exportadoras do país – a metalomecânica. A falta de aço, ferro, alumínio... pode levar a que algumas empresas sejam forçadas a parar a sua atividade no curto a médio-prazo.

A escalada no preço dos fretes marítimos também aqui se faz sentir. O aumento do preço do transporte marítimo traz impactos negativos para a competitividade das nossas empresas. Os custos logísticos são um fator de competitividade central ao nível da nossa capacidade de concorrência internacional. De acordo com especialistas, por norma, estes custos tendem a ser mais elevados em Portugal do que noutros países, acentuando o efeito de Portugal como mercado limítrofe, logo prejudicando a competitividade e atratividade das nossas empresas e produtos. A Escassez de contentores está a encarecer os custos de transporte, agravando ainda mais um cenário que ab initio já não era especialmente vantajoso para Portugal. Em novembro de 2019, enviar um contentor de 40 pés HC do porto de Leixões para a China, via Roterdão, custava cerca de USD 1 550. Em junho de 2020, esse valor havia subido para USD 1 675. Em novembro desse ano, pelo mesmo serviço, já se pagava USD 3 450, para um mês depois se atingir a meta dos USD 4 375. Os números falam por si e são avassaladores. Trata-se de um aumento superior a 182%.

A pouca visibilidade que o tema tem merecido na generalidade dos media não diminui a sua gravidade e pertinência. Sublinhe-se: a crise dos contentores afeta um mercado mundial de € 12 mil milhões. Relembre-se: atualmente, cerca de 90% das mercadorias de todo o mundo são transportadas por via marítima. Daqueles, 60% são alimentos, eletrodomésticos e outros bens e os restantes 40% são matérias-primas vitais a uma multiplicidade de indústrias. (OCDE – Statistica Research Department). Nunca houve tanta pressão sobre o transporte marítimo mundial. Pressão que é preciso aliviar. É necessário que todo volte ao normal – ou que também nesta área se encontre um novo ponto de equilíbrio num qualquer “novo normal” – a bem das nossas empresas, a bem do comércio mundial.

 

 

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