Eleições americanas no grande palco do comércio internacional

A menos de um mês das eleições presidenciais norte-americanas, os parceiros comerciais do país estão entre os que mais atentamente observam o cenário político e o desenrolar dos acontecimentos na maior economia e maior potência comercial do mundo. Com trocas avaliadas em mais de 4,5 mil milhões de euros – que fizeram dos EUA o nosso 7º maior parceiro comercial no último ano, e o primeiro fora do espaço europeu –, das quais mais de 3 mil milhões resultaram de exportações por parte de 3 663 empresas portuguesas – fazendo dos EUA o nosso 5º maior cliente - também nós não podemos deixar de nos debruçar sobre o tema.

A jogo vão as equipas Trump-Pence versus Biden-Harris e perante a possibilidade de não reeleição do magnata de Nova Iorque – a julgar pelas sondagens divulgadas (aceites acriticamente para efeitos de análise), embora as mais recentes apontem para uma certa recuperação do candidato republicano a partir de Agosto último – são muitos os que refazem os seus cálculos em matéria de comércio e investimento. No plano macro, tentaremos dar alguns exemplos das implicações e meandros onde se joga esta eleição, no contexto que nos interessa: o comércio internacional.

 

No seio da OMC – Decision? What decision?

Despercebido aos olhos dos mais desatentos, o primeiro palco onde a disputa presidencial começou a fazer-se sentir talvez tenha sido no seio da Organização Mundial do Comércio (OMC), a propósito da demissão do seu diretor-geral (DG) - em Maio deste ano, anunciando que deixaria o cargo no final de Agosto, i.e., um ano antes do fim do seu mandato - e subsequente escolha do seu sucessor. Em plena crise entre EUA e China e alvo permanente de críticas e forte pressão por parte da Administração Trump, que admitiu, inclusive, retirar-se da organização, Roberto Azevedo anunciou a sua saída. Razões pessoais de natureza familiar foi a razão dada. Meses depois, seria tornado público a sua integração na direção (vice-presidente) do gigante norte-americano, PepsiCo. Iniciou-se o processo de escolha do seu sucessor, mas até hoje não há fumo branco e a organização vive um impasse.

Após a saída de Roberto Azevedo, um dos quatro diretores-adjuntos da OMC - um norte-americano, um alemão, um nigeriano e um chinês - deveria assumir a liderança interina da organização, até ser nomeado o sucessor oficial. Em plena crise pandémica, com as tensões EUA-China a atingirem picos não antes vistos, extravasando os limites de uma “guerra comercial” que se arrasta há quase três anos, essa escolha dificilmente aconteceria. Não aconteceu. Os quatro permanecem nos cargos atuais e a OMC continua, senão à deriva, pelo menos, sem comandante oficial.

O processo de escolha do DG da OMC é complexo e as suas regras não poderão ser aqui esmiuçadas. Importará reter que se trata de uma escolha feita na base do consenso e não fruto de uma votação formal. A lista de candidatos é gradualmente reduzida por meio de uma série de consultas aos membros da organização, até que surja um único candidato em torno do qual se perceba existir consenso/unanimidade que suporte a sua nomeação. Mas os 164 membros da OMC ainda não chegaram a um entendimento. Espera-se uma decisão durante a primeira semana de novembro. Curioso!

Por parte dos EUA, nada mais será de esperar que não o máximo dos esforços para garantir a escolha de um candidato que não inviabilize a agenda económica e comercial da Administração Trump. Posição aliás publicamente expressa, desde logo pelo US Trade Representative, Robert Lighthizer, ao assumir que os EUA vetariam qualquer candidato que deixasse transparecer, por menor que fosse, qualquer sombra ou sentimento de antiamericanismo. Mas se a posição americana, sob a liderança de Donald Trump, é certa e expectável, o mesmo não poderá ser dito dos restantes membros da organização. E aqui o aproximar das eleições norte-americanas entra na equação.

Num cenário em que seja expectável a reeleição de Donald Trump, naturalmente que a agenda da sua equipa no seio da OMC será tida em determinada consideração, influenciado os restantes membros na sua ponderação e cálculos estratégicos. Por outro lado, havendo reais possibilidades de uma “administração Biden” ver a luz dia – com tudo o que um cenário destes implica em termos de diferenças no relacionamento com, e visão sobre a OMC e o seu papel no sistema internacional – as opções poderão ser outras. Protelar o processo de decisão pode ser do interesse senão de muitos, pelo menos de alguns membros da organização. Há, inclusive, quem defenda que a escolha do novo DG deve ser adiada para 2021. Protelar o processo de escolha pode bem ter sido, aliás, a estratégia seguida desde o início de um processo que muitos não contavam que ocorresse já em 2020, muito menos em vésperas de eleições nos EUA.

 

Acordo China-EUA: now what?

No final de 2019, os EUA e a China chegaram a um acordo preliminar que veio aliviar sobremaneira as tensões de uma guerra comercial que se arrastava desde 2017, e que se agravara substancialmente a partir do Verão daquele. Era o início de um processo de negociação que se pretendia mais vasto, a desenvolver ao longo de 2020, e que se centrava numa redução, passo a passo, das taxas alfandegárias “retaliatórias” impostas pelos EUA à importação de produtos chineses, em troca de um conjunto de concessões por parte de Pequim. O impacto foi sentido de imediato nas bolsas de todo o mundo. Wall Street fechou em alta com recordes nos principais índices. Era o início do fim de uma guerra que afetou mercados financeiros, cadeias de fornecimento e desacelerou o crescimento global. Donald Trump falou em vitória.

Em meados de Janeiro de 2020, chegou oficialmente a “primeira fase” - designada “fase one” – de um acordo comercial e foi a vez da China assumir o compromisso de compra de mais de USD 200 mil milhões em produtos dos EUA ao longo de mais de dois anos – produtos manufaturados, agrícolas, produtos energéticos e serviços -, assim se procurando reduzir o défice da balança comercial com Washington, uma das grandes bandeiras da campanha eleitoral de Trump. Com vários outros compromissos em cima da mesa, o presidente norte-americano voltou a falar em vitória. Seguir-se-ia a “fase two” do acordo e os seus resultados deveriam ser conhecidos depois das eleições de novembro. Mercados, investidores, empresas respiravam de alívio.

Mas chegou o vírus e instalou-se a pandemia. Donald Trump apontou o dedo a Pequim. Em agosto, dados divulgados por agências especializadas relativos aos primeiros seis meses do ano, comprovavam que a China não estava a cumprir com os compromissos assumidos e no domínio da energia, serviços e outros bens, as metas estavam longe de ser atingidas. Cadeias de abastecimento interrompidas, empresas fechadas, stocks acumulados… a incerteza e instabilidade voltaram aos mercados. O acordo estava morto e Donald Trump de costas voltadas para Pequim.

No espaço de alguns meses, as vitórias anunciadas por Trump, que seriam certamente capitalizadas na campanha eleitoral, transformaram-se num enorme “passivo político”, ainda mais exponenciado pelo declínio acentuado no relacionamento com Pequim, em virtude das acusações frontais do Presidente quanto à má gestão da crise por parte da China e à sua responsabilidade na disseminação da doença à escala global.
A equipa de Joe Biden não vai deixar passar este tema ao lado, e irá certamente construir um caso contra o seu adversário explorando a forma como Trump lidou com o “dossier China”, maior adversário comercial do país. Mas mais importante do que pensar no que poderá ser o debate eleitoral em torno deste dossier (admitindo-se que haverá debate sobre o tema), será perceber qual o futuro do acordo China-EUA, consoante uma ou outra administração.

Não será expectável que uma administração Biden se comprometa com um acordo em tudo vacilante, negociado pelo recém-derrotado, mais ainda se esse mesmo acordo for objeto de duras críticas durante a campanha eleitoral. Se assim for, e distanciando-se do seu antecessor, Joe Biden deverá aproximar-se de uma abordagem mais multilateralista, de maior abertura e coordenação com outros parceiros comerciais.

O “go it alone” de Donald Trump, que caraterizou as negociações preliminares e a “phase one” do acordo com Pequim, não deverá ser o caminho seguido por uma administração liderada por Joe Biden.

Num cenário como este, dadas as perspetivas muito sombrias de sobrevivência do acordo tal como está estipulado na sua “phase one”, a China não terá grandes incentivos que a levem a cumprir com as exigências e metas que sobre si recaem, principalmente se não forem da sua conveniência, respeitando apenas os termos que forem do seu interesse. A margem de manobra de Pequim será significativa. E quanto mais se arrastar o clima de indefinição dos termos do relacionamento futuro melhor! Melhor para a China…mas e para o mundo?

 

Redefinição de produção e cadeias de abastecimento - on hold!

A par de outras políticas, a administração Trump tem indubitavelmente usado a sua política comercial por forma a recuperar, trazendo de volta aos EUA, muitas das suas indústrias. A peça central na estratégia seguida foi a revisão do North America Free Trade Agreement (NAFTA), transformado em United States-Mexico-Canada Agreement (USMCA), em vigor desde julho de 2020. Um instrumento através do qual Donald Trump procurou reconfigurar, entre outras áreas/industrias, o sector da produção automóvel. Principal alvo? A indústria automóvel mexicana.

Do muito que se poderia escrever sobre a revisão do acordo, para o que aqui nos interessa haverá a reter a seguinte ideia: através da introdução/revisão de um conjunto de regras e critérios (que não podem aqui ser especificados), Trump esperava com isso levar os fabricantes instalados no México a transferir a sua produção para os EUA. Mas tendo o acordo entrado em vigor a 1 de julho, e perante a possibilidade de uma administração Trump estar de saída, os grandes fabricantes, da indústria automóvel ou outra, parecem, por ora, optar por uma abordagem de “wait and see” que não obrigue a grandes decisões estratégicas. Atentos ao evoluir das dinâmicas eleitorais, preferem salvaguardar as suas apostas, enquanto avaliam a possibilidade de uma ou outra equipa sair vencedora.

Nas eleições de 2016, até ao fim muitos nunca acreditaram que Donald Trump tivesse reais possibilidades de vencer. Erro. Dá-lo à partida como derrotado nas eleições que se avizinham? Novo erro. Num ano atípico para a América e para o mundo, também estas se adivinham ser umas eleições atípicas, onde até a campanha de uns poderá ter que vir a ser feita em quarentena, a de outros em petit cercle; uma e outra, longe das grandes massas e comícios a que a América nos habituou. Muito pode ainda acontecer. Quanto a nós, uma coisa parece certa, ainda que não visível a todos: a indefinição em torno de uma campanha eleitoral, está a afetar a definição do panorama do comércio internacional.

 

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