Produção de aeroestruturas, peças para motores e outros conjuntos para aeronaves civis e militares, manutenção e reparação aeronáutica, desenho e fabrico de interiores de cabines, sistemas mecatrónicos, dispositivos de simulação, de ensaios e de testes espaciais… Realidades muito distantes e até mesmo desconhecidas para muitos, o dia-a-dia de trabalho para tantos outros da indústria da Aeronáutica, do Espaço e da Defesa (AED). Um cluster que se vem afirmando no nosso país nos últimos anos, com avanços tecnológicos muito significativos que escapam ao olhar da generalidade do público português, mas que, contrariamente, são cada vez mais reconhecidos internacionalmente. Trata-se de um cluster com uma fortíssima componente internacional.
No conjunto das três áreas - Aeronáutica, Espaço e Defesa - esta é uma indústria altamente qualificada, competitiva, tecnologicamente avançada, impulsionadora da investigação e inovação e com uma capacidade de retorno significativo para as empresas investidoras. Uma das mais atractivas e sofisticadas indústrias a nível mundial, na qual Portugal tem conquistado cada vez mais notoriedade, quer tornando-se uma referência internacional em ciência, tecnologia e inovação - e a prová-lo está a participação de empresas/entidades portuguesas em projectos internacionais de investigação e desenvolvimento de alto valor acrescentado e com elevada incorporação e complexidade tecnológica -, quer por via da presença em importantes eventos/feiras de projecção mundial, mostrando as potencialidades da indústria nacional, quer ainda pelo aumento exponencial das exportações para diferentes mercados.
Este é, com efeito, um sector fortemente vocacionado para a exportação. Só no último ano (2018), de um volume total de negócios avaliado em 1,72 mil milhões de euros - 56% do sector da aeronáutica, 29% do sector da defesa e 14% do sector do espaço - entre 87% a 90% resultaram de exportações.
França e Reino Unido têm sido mercados prioritários. O Reino Unido é um parceiro incontornável, com uma indústria aeroespacial verdadeiramente colossal. O mercado britânico cresceu 39% nos últimos 5 anos, fazendo do país líder na Europa e a 2ª maior potência do sector a nível mundial, apenas atrás dos EUA. França pelo enorme potencial para as empresas do sector da aeronáutica, principalmente devido à dimensão e às perspectivas de crescimento desta fileira em França. Mas o país vem sendo uma aposta para a projecção internacional da indústria aeronáutica portuguesa não apenas pelas oportunidades de cooperação e exportação que apresenta para as nossas empresas, mas também no sentido inverso, ou seja, pelo carácter atractivo de Portugal enquanto destino de investimento directo estrangeiro (IDE) para um universo significativo de empresas francesas. Mas além destes, é importante continuar a apostar na organização de missões empresariais a outros mercados com interesse e potencial para a internacionalização do cluster nacional da AED.

As vendas ao exterior têm sido um dos principais vectores do crescimento da indústria AED. Mas não o único. Este é também um sector que tem captado fluxos crescentes de IDE por parte de várias multinacionais (que não apenas francesas), o que concorre igualmente para o contínuo crescimento desta indústria. Por outras palavras, há cada vez mais operadoras portuguesas a fornecer major players da indústria mundial, mas também os grandes investidores têm cada vez mais os olhos postos no nosso país. São várias as razões para que assim seja.
Investigação, competitividade e recursos humanos. Este é um sector que exige a formação de recursos humanos altamente qualificados e com elevado grau de especialização. Portugal tem respondido a esta necessidade. Mas há mais a fazer. Acresce, que o cluster AED é um exemplo claro de um novo paradigma em acção: investimento focado no talento, na competitividade e na inovação. Portugal também parece ir respondendo a esta necessidade. São milhões de euros que têm sido investidos no nosso país fruto da progressiva melhoria dos níveis de competitividade que as indústrias que integram o cluster AED têm revelado (embora haja ainda um longo caminho a percorrer nesta área), pelos níveis de formação, talento e flexibilidade dos recursos humanos portugueses, pelos seus conhecimentos de engenharia, capacidades linguísticas que apresentam, pela qualidade nos nossos centros de investigação, entre tantos outros factores neste domínio.
A posição geoestratégica de Portugal - aliada à qualidade das redes de infra-estruturas - tem também ajudado à afirmação do cluster nacional no quadro da indústria mundial. Para muitas multinacionais que têm investido na indústria AED portuguesa o posicionamento atlântico do país, a sua centralidade entre a Europa, as Américas e o continente africano, é altamente vantajoso ao permitir a instalação e operação de infra-estruturas de observação e medida num espectro dificilmente alcançável ou replicável noutro país. Neste aspecto, o arquipélago dos Açores destaca-se como palco privilegiado também para o lançamento de satélites. Os Açores são, aliás, elemento central na estratégia nacional do Espaço. Também o Alentejo apresenta especial potencial para a indústria da aeronáutica e a prová-lo está o forte investimento externo que tem vindo a ser feito na região, que assim se vem posicionando a nível nacional como um emergente e promissor pólo de desenvolvimento do sector nacional da aeronáutica.
A capacitação e a afirmação internacional da AED têm igualmente beneficiado dos esforços da diplomacia portuguesa, através do fortalecimento de relações bi e multilaterais particularmente orientadas para o aprofundamento da cooperação no domínio científico e tecnológico, com parceiros externos importantes como Espanha, França, Alemanha, Reino Unido, Luxemburgo, EUA, Índia, ou até mesmo a África do Sul. Uma estratégia da nossa diplomacia científica à qual não escapa a necessidade de estimular novos mercados. Este é, aliás, um dos grandes desafios do sector da AED: a necessidade de continuar a crescer internacionalmente. A maioria dos clientes continuar a estar “lá fora” e como tal é preciso cruzar fronteiras. A sobrevivência do sector não faz sentido de outra forma e aqui o espaço europeu deverá ser a primeira grande aposta.
A importância desta indústria para a economia europeia torna-se evidente quando olhamos para os números. Em 2016, o sector europeu representou um volume de negócios de 222 mil milhões de euros (o que traduziu um crescimento de 11% face a 2015). Deste valor, 51% correspondem à aeronáutica civil, 22% à aeronáutica militar, 24% ao sector da defesa naval e terrestre e 3% ao sector do espaço. Enquadrando a realidade portuguesa no quadro europeu, o volume de negócios do cluster AED representou apenas cerca de 1% do valor total produzido. Tratando-se de empregos, estarão em causa cerca de 850 mil postos de trabalho. No que respeita às actividades de I&D, no conjunto dos três sectores, o cluster absorveu 20 mil milhões de euros.
Este é um sector que internacionalmente está a passar por grandes transformações. É por isso necessário estarmos atentos às mudanças em curso e adaptar estratégias em sua função. No quadro concreto europeu, a indústria da Defesa, por exemplo, tem contornos geoestratégicos de enorme importância para o futuro da Europa e, como tal, precisa de ser pensada não apenas numa lógica industrial e comercial, mas também numa perspectiva geoestratégica e aqui Portugal tem trunfos para jogar.
Existem ainda outras transformações a equacionar se o objectivo é afirmar a posição da indústria portuguesa no plano internacional. Uma vez mais no domínio da Defesa - no qual vai ser criado um fundo europeu de Defesa - há uma tendência para a consolidação de consórcios europeus e para nós o desafio não passa apenas por termos empresas com capacidade para produzir bem uma determinada componente tecnológica, mas, acima de tudo, termos empresas com essa capacidade de produção e que consigam inserir-se em cadeias de valor internacionais. Mais ainda, tendo em conta esta tendência para o desenvolvimento de consórcios e considerando a dimensão do nosso tecido empresarial (maioritariamente composto por PME), a criação de parcerias entre empresas é essencial de forma a ganharem massa crítica para melhor concorrerem no mercado internacional.
A realidade portuguesa tem de acompanhar esta evolução. Há pouco mais de uma década o sector nacional não contava com mais do que meia dúzia de empresas nesta área. Hoje, a AED é um sector crítico para o crescimento da economia nacional e para a criação de valor acrescentado. Um sector que já representa 1,4% do PIB nacional (com perspectivas para que em cinco anos este valor passe para os 3%), que assegura mais de 18.500 postos de trabalho qualificados, que reúne mais de 60 entidades - entre a grande indústria, PME, entidades do universo científico e tecnológico, institutos e centros de investigação etc. - e com um efeito multiplicador na economia muito significativo.
Portugal já é visto como um caso de sucesso na indústria AED pela sua rápida adaptação e integração em programas europeus e internacionais na área.
Airbus, Embraer, a Agência Espacial Europeia, a NATO são apenas alguns exemplos de actores com os olhos postos na evolução do sector em Portugal. Mas é preciso fazer mais. No caminho para uma crescente internacionalização, Portugal não pode deixar escapar as oportunidades de cooperação europeia se o objectivo é o aprofundamento e a dinamização do tecido tecnológico e industrial português, assim beneficiando o universo científico, as empresas, a sua capacidade exportadora e de projecção internacional, dando ao país capacidade crescente para dar cartas no xadrez mundial.

