noticia artigo nova jul 2023

Num contexto de globalização, no qual a produção é organizada à escala global, através de uma complexa rede de subsidiárias e fornecedores, tornou-se cada vez mais comum a presença de empresas em áreas de guerra, onde estas podem ter um impacto no conflito e contribuir para violações graves de direitos humanos, ou outros crimes internacionais.

Operar em áreas afetadas por conflitos coloca complexos desafios legais, socioeconómicos e operacionais às empresas e o seu potencial impacto no conflito armado. As próprias atividades empresariais podem vir a encontrar-se ligadas a violações de direitos humanos ou de direito internacional humanitário no contexto de guerra de diferentes formas: “quer diretamente, fornecendo apoio financeiro, logístico, militar, ou qualquer outro tipo de apoio às partes em conflito; ou indiretamente, influenciando a dinâmica do conflito ou os atores envolvidos, mesmo sem a intenção de ajudar as partes beligerantes”. Tal como evidenciado pelo Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos

Humanos, “as empresas não são atores neutros; a sua presença não está isenta de impacto. Mesmo que as empresas não tomem um partido no conflito, o impacto das suas operações influenciará necessariamente a sua dinâmica”.
Consequentemente, há fatores importantes que devem de ser tidos em conta pelas empresas que operam em áreas de guerra, devendo, inclusive, em certos casos, ser ponderada a decisão de suspender ou cessar as suas atividades e operações em tais regiões e, assim sendo, avaliar como fazê-lo de uma forma responsável.

Quais as principais obrigações de direitos humanos e de direito internacional humanitário para as empresas que operam num contexto de conflito armado?

Em primeiro lugar, é importante notar que há uma disparidade ou lacuna na regulação dos direitos humanos, que permite que práticas atentatórias dos direitos humanos possam ter lugar nas cadeias de valor de empresas que produzem e localizam as suas atividades à escala global, incluindo em países menos desenvolvidos e mais dependentes de investimento estrangeiro. E este problema, decorrente da falta de normas vinculativas de Direito Internacional sobre a conduta empresarial transnacional das empresas e do facto de as normas que regulam a atuação destas no contexto de guerra serem vagas, fragmentadas e dispersas, apresenta-se com uma gravidade ainda maior no contexto dos conflitos armados.

Não obstante, a crescente tomada de consciência sobre o impacto das empresas em ambientes de grande instabilidade, tais como zonas de conflito, levou à adoção de várias iniciativas de soft law, i.e., normas não vinculativas, com vista a promover a conduta empresarial responsável e respeitadora dos direitos humanos. Podemos tomar como exemplo os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos (UNGPs), adotados por unanimidade pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2011 ou as Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais.

À luz destes instrumentos e com vista a respeitar os direitos humanos, as empresas devem colocar em prática um processo de diligência devida de direitos humanos, que visa "identificar, prevenir e mitigar os riscos relacionados com os direitos humanos das suas 

atividades e relações comerciais". O exercício da devida diligência em matéria de direitos humanos deve ser propor¬cional à dimensão da empresa, à gravidade dos potenciais riscos e à natureza e contexto das operações. Ademais, deve tratar-se de um processo contínuo, conduzido em diálogo próximo com as partes interessadas.

Os UNGPs estabelecem, em particular, que tendo em conta que o risco de violações graves de direitos humanos é maior nas zonas afetadas por conflitos, os Estados devem ajudar a garantir que as empresas que operam nesses contextos não estejam envolvidas em tais abusos. O Comentário a este princípio explica ainda que cada vez mais empresas estão a pedir orientação prática sobre como evitar contribuir para abusos aos direitos humanos nestes contextos difíceis.

Também as Diretrizes da OCDE têm em conta a situação das empresas que operam em contextos difíceis, incluindo de conflito armado. Em particular, a OCDE produziu uma orientação para facilitar uma conduta sensível ao conflito para as empresas que se abastecem de minerais ou metais de áreas afetadas por conflitos e de alto risco ("Due Diligence Guidance for Responsible Supply Chains of Minerals from Conflict-Affict-Affected and High-Risk Areas", 2016).

Isto significa que em situações de conflito, a diligência devida em matéria de direitos humanos tem de ser operacionalizada através de uma abordagem sensível ao conflito, o que se encontra de acordo com a ideia de que quanto maior for o risco, mais complexo terá de ser o processo.

De entre as responsabilidades acrescidas de diligência devida para empresas que operam em cenários de conflito contam-se:

  1. Analisar o contexto do conflito armado, incluindo as características da região, contexto histórico e causas que estiveram na origem do conflito, bem como identificar as partes intervenientes e as partes afetadas.
  2. Avaliar e antecipar a forma como as operações comerciais, produtos ou serviços podem ter impacto na relação entre as partes ou podem potencialmente aumentar as tensões existentes na região.
  3. Assegurar que o pessoal que opera na região é formado e equipado com uma compreensão adequada das dinâmicas de conflito.
  4. Incorporar a consulta e envolvimento com intervenientes externos - peritos nacionais e locais, e comunidades locais. Um forte e amplo envolvimento das partes interessadas irá beneficiar a relação com os atores locais.

Para além das normas sobre empresas e direitos humanos, existe um corpo legislativo complementar que é especialmente relevante em cenários de conflito: o direito internacional humanitário (DIH), que corresponde ao conjunto de normas que regulam situações de conflito armado.

Benedita Sequeira
Laura Íñigo Álvarez

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