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Bruno Bobone, Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP), comenta o documento “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica e Social de Portugal 2020-2030".

 

 

Em primeiro lugar importa tratar o documento como aquilo que pretende ser: uma visão estratégica.

O documento avalia bem as circunstâncias em que nos encontramos e alerta com alguma importância para os erros do modelo económico-social em que vivemos nas últimas décadas.

Esta não é, para a Câmara de Comércio, uma novidade. Temos levantado continuamente questões que consideramos fundamentais à preservação do sistema democrático no nosso país e na Europa, tanto naquilo que se relaciona com as condições de distribuição da riqueza como com a necessidade de promover um maior envolvimento de todos os stakeholders na condução dos projectos empresariais. Também temos advogado uma maior participação activa e consciente do Estado, tanto através de um trabalho sério dos reguladores das diferentes actividades, como naquilo que consideramos essencial ao desenvolvimento da nossa sociedade, como são a justiça, o trabalho e a fiscalidade.

Para além disto temos defendido e promovido a ideia da criação de uma relação de trabalho baseado no conceito do salário digno, em contraposição ao salário mínimo, baseada na promoção da produtividade da nossa força de trabalho, condição indispensável ao crescimento e consolidação da nossa economia, tema que não é sequer abordado neste documento.

Estou convencido de que todos estamos de acordo de que o Estado, numa situação de crise deve intervir financeiramente nas empresas que são estratégicas ao nosso país e que estejam necessitadas de uma ajuda momentânea para retomarem a sua actividade normal quando terminar esta crise.

Quanto aos processos a desenvolver para conseguir o objectivo a que se propôs, estamos seguramente de acordo com muitos desses projectos, dos quais ressaltam com urgência a exploração profunda e sistematizada dos recursos marítimos (nosso projecto hyper cluster da economia do mar), para o que propõe inclusivamente a criação de uma universidade do mar, também um tema que promovemos, ainda que nunca nos Açores, por considerarmos que a sua posição geográfica seria positiva para um polo mais técnico de investigação dessa instituição, mas muito negativa para todas as restantes disciplinas e para a formação de jovens nacionais e internacionais que teriam uma maior dificuldade nas acessibilidades das ilhas.

Importante também a afirmação da centralidade das empresas como factor de desenvolvimento privilegiado, “motor real do crescimento e da criação de riqueza”, a diversificação da economia, a promoção de empresas de média e grande dimensão e a centralidade da pessoa na economia.

A análise sobre a dicotomia entre a vocação continental e marítima é ainda uma questão essencial ao enquadramento de uma estratégia para o futuro de Portugal e, no caso em análise tendo a concordar com a visão de que a complementaridade das duas é o caminho mais positivo para assegurar o nosso desenvolvimento.

Tenho mais dúvidas sobre as mudanças profundas resultantes da digitalização forçada pela pandemia e, apesar de reconhecer o efeito que esta teve na adaptação de toda uma população às novas tecnologias e ter sido, talvez, o único medo que foi vencido neste período, não estou ainda seguro das vantagens e inconvenientes que daqui possam resultar e menos ainda do seu efeito real no desenvolvimento da sociedade e da vida das pessoas.

Aquilo que creio que falta no enquadramento não é tanto na identificação da evolução tecnológica, que está lá, mas sim na falha de reconhecer aquilo que o recolhimento do confinamento nos permitiu descobrir sobre a necessidade que temos de olhar mais por cada indivíduo e pelo seu crescimento enquanto pessoa, de forma a permitir assumir cada vez mais as suas decisões de modo de viver, em função daquilo que verdadeiramente quer para a sua vida e sempre buscando um caminho de felicidade.

Voltando ao documento em questão e não querendo ser exaustivo na sua avaliação, gostei da frase em que diz que Portugal não é um país periférico, com a qual estou de acordo, bem como dos seis futuros para o Portugal atlântico e servidor do continente europeu.

A reindustrialização é um tema essencial para Portugal e para a Europa, que resulta evidente nos efeitos provocados pela epidemia e o aproveitamento dos recursos naturais, minerais e energéticos é incontornável, a par de um fortíssimo desenvolvimento das nossas competências na área das soft skills, sejam elas de software informático sejam das grandes qualidades que temos enquanto povo de forte carácter social e sociável.

No tema da maior intervenção do Estado nas empresas, assunto que tem sempre um estigma enorme para todos os que se lembram bem daquilo que foi o percurso das economias estatizadas e do que sofremos em Portugal por causa dessa prisão ideológica, eu pessoalmente não tenho qualquer dúvida de que alguma coisa há que mudar. A gestão privada das empresas, sem dúvida muito mais eficiente e resiliente, tem sempre em consideração, em primeiro lugar, os interesses dos seus accionistas e stakeholders. No caso das empresas presentes em sectores estratégicos para o desenvolvimento da economia é fundamental encontrar soluções que permitam efectivamente que haja algumas condições de controlo sobre a sua gestão, por forma a não se perderem esses importantes activos para a economia nacional.

Este cenário exigirá um sistema de justiça mais eficaz e uma regulação eficiente e rigorosa que promova um equilíbrio virtuoso entre estado e mercado, que assegure a autonomia e a responsabilização da sua gestão.

 

Sobre o plano:

A visão e a missão não merecem qualquer comentário para além de que a economia não deverá ter qualquer cor, deverá só ser sustentável.

As condições de base que elenca são hoje utópicas e não me parece que esteja ao nosso alcance realizar tão tremenda tarefa em pouco tempo! Uma administração pública que responda aos novos desafios, uma justiça eficiente, um correcto aproveitamento dos recursos financeiros e um território resiliente, que valorize o seu capital natural, ordenado numa estrutura polinucleada.

 

Rede de infra-estruturas – ainda que tenha ouvido grandes críticas a esta ideia de fomento do investimento público, penso que é essencial apostar nas infra-estruturas que aqui aponta como fundamentais ao desenvolvimento e sustentabilidade da nossa economia.

 

Qualificação da População, digital, ciência e tecnologia – na sua essência está bem elencado, é muito importante avaliar a dimensão do investimento para cada um dos processos e os objectivos concretos a atingir.

 

O Sector Social – este é um dos temas mais difíceis de avaliar uma vez que, estando todos de acordo sobre o apoio que é necessário dar aos mais desfavorecidos, a influência ideológica que esteja por detrás destes programas criará responsabilidades futuras incomensuráveis, o que torna este um dos elementos que mais atenção deve merecer na sua implementação. (O programa de formação de professores é um tema que terá influencia em todo o futuro da sociedade portuguesa e do seu desenvolvimento).

Neste tema também penso ser um erro não enquadrar todo o trabalho desenvolvido pela iniciativa privada, em particular pelas igrejas, de forma a estabelecer um plano estratégico comum que permitisse maximizar os resultados e minimizar os investimentos.

 

A reindustrialização do País – para além dos clusters identificados, falta uma referência essencial à criação de industriais. Não haverá qualquer avanço na industria sem voltemos a promover a figura do industrial e criar apetência por estes investimentos. Ao longo dos últimos 50 anos promovemos a transformação do tecido empresarial português, da agricultura e da industria, para o sector dos serviços e o argumento foi fácil: menor nível de investimento e menor tempo de espera pelos resultados. Voltar atrás é muito mais difícil.

 

A transição energética e electrificação da economia – em geral parece-me bem.

 

Coesão do território, agricultura e floresta – de acordo no essencial e gosto especialmente do ”desenhar planos de paisagem” muito necessário na sua vertente de beleza da natureza mas acima de tudo pela sua eficiência no potencial aproveitamento dos recursos tanto para produção como de infraestruturação. (casas semeadas por todo o país implicam infra-estruturas caríssimas de apoio).

 

Um novo paradigma para as cidades e a mobilidade – sem comentários

 

Cultura, serviços, turismo e comércio – parece-me bastante fraco este capítulo mas na verdade estes sectores dependem muito mais da actividade privada e individual do que de grandes projectos de investimento.

Para além de uma aposta na atracção de turistas e de desenvolvimento de promoções que aumentem a actividade comercial deveria ser investido, na área da cultura, num programa de formação em gestão de actividades culturais que permitam associar o desenvolvimento de projectos de interesse cultural com resultados económicos que os permitam desenvolver e aumentar a capacidade de criação. Promover os hábitos de leitura seria essencial no nosso país.

 

No que respeita ao financiamento e para lá das ajudas europeias, penso que tem algum interesse a figura do fundo de base pública aberto a fundos privados. O conceito é semelhante ao das parcerias publico-privadas com a vantagem de que os benefícios se mantêm juntos sem a possibilidade de ser só uma das partes a ser beneficiada. Contudo, é muito importante conhecer mais detalhes sobre o seu funcionamento.

 

Sou também apologista do banco de fomento. A estratégia de crescimento económico de Portugal tem que ter um recurso de apoio financeiro aos projectos que considere essenciais ao seu desenvolvimento. É fundamental assegurar aqui uma grande transparência da sua gestão e da sua regulação.

A intervenção do Estado nas empresas, que aqui aparece como um apoio salvador para as dificuldades que todas sofreram, poderá ser um presente envenenado se não for cuidado a forma de fechar este tema.

Na linha de pensamento da CCIP, sou pouco favorável ao tema dos subsídios, seja a que título for. Prefiro uma participação temporária da entidade financiadora ou empréstimos, do que subsídios.

Deixo parágrafo 5, das justificações do insucesso, sem comentários.

 

Como nota final e muito importante, acredito que os empresários portugueses deveriam juntar-se, agrupar-se, associar-se de qualquer forma para, em conjuntos maiores ou menores, estabelecerem estratégias de investimento para os próximos anos, aproveitando todo o capital que a Europa nos vai dispensar, de forma a liderarem a reformulação da economia nacional criando grandes projectos com capacidade internacional, lançando Portugal para a liderança do desenvolvimento económico.

Aproveitando naturalmente tudo aquilo que o plano de recuperação económica nos venha a facilitar, mas assegurando que aqueles fundos imensos serão bem utilizados por quem sabe criar riqueza e não aproveitados por aqueles que sabem ser amigos dos decisores.

 

Bruno Bobone
Presidente
Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa

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