Parece ter excedido as espectativas optimistas a visita do presidente João Lourenço de Angola aos Estados Unidos, onde foi recebido por Joe Biden na Casa Branca em 30 de Novembro passado.
Na reunião, o presidente norte-americano, além de agradecer a Lourenço o papel de Angola como mediador nos problemas do leste da República Democrática do Congo, uma região em instabilidade crónica, reafirmou o interesse de Washington no continente africano. Quanto a Angola, o Presidente referiu-se especificamente ao apoio americano ao projecto conhecido por “Corredor do Lobito”, um projecto ferroviário destinado a facilitar as exportações de minerais raros da RDC e da Zâmbia. O Lobito Atlantic Railway, o consórcio vencedor do projecto, é formado pelas empresas Trafigura, Vecturis e Motta-Engil; o Projecto Corredor do Lobito destina-se a assegurar a integração, desenvolvimento e manutenção das infraestruturas do Porto do Lobito, do Terminal Mineiro, do Aeroporto da Catumbela e do Caminho de Ferro de Benguela.
O CFB, completado nos anos 1930 do século passado, foi vital para o desenvolvimento de Angola. A Mota-Engil tem uma longa implantação em Angola desde a Administração colonial portuguesa; a Trafigura é uma empresa suíça fundada em 1993 que actua em dezenas de países. A Vecturis é uma empresa ferroviária belga, presente em países como a Rússia, África do Sul e Brasil.
O CFB, com os seus 1344 Kms de extensão, corta Angola através das províncias de Benguela, Bié, Huambo e Moxico. O Governo norte-americano vai apoiar com mais de mil milhões de dólares o Projecto do Corredor do Lobito.
Mas além da referência a este projecto concreto, Biden sublinhou a importância geopolítica de Angola no continente africano, qualificando-a como país-chave.
Além da retórica, qual é a realidade das relações entre Angola e os Estados Unidos? E sobretudo, como é que se equilibra esta abertura a Washington, dada a relação dos últimos vinte anos com a potência ascendente e concorrente, isto é, com a República Popular da China?
Desde o fim da guerra civil no início do nosso século, que a RPC emprestou a Angola, em diversas operações, através de diversos prestadores e destinadas a diversas empresas e projectos em sectores de energia, transportes e infraestruturas. A relação estruturou-se no imediato pós-guerra civil, quando os países ocidentais se mostravam pouco inclinados a investir, ou punham condições que os governos de Luanda não aceitaram.
Sobretudo Pequim não condicionou o apoio económico a condições políticas. Em contrapartida, impunha garantias económicas em termos de exportações petrolíferas e também de contrapartidas de obras públicas entregues a empresas chinesas.
Em 2019, a dívida angolana com a China era de 22 biliões de Dólares norte-americanos. As dívidas de países africanos à China são muito significativas, e Pequim investiu muito tempo, muito dinheiro e muita diplomacia paralela para conquistar apoios no subcontinente africano.
Quanto à visita à Casa Branca, veio também num momento delicado, em que as tensões a nível mundial entre o Ocidente e o resto do mundo ou o “Global South”, já muito marcadas pela guerra da Ucrânia, se agravaram nas últimas semanas, com o confronto Israel-Hamas e as consequências para os civis palestinianos na Faixa de Gaza.
Não há dúvida que neste momento os Estados Unidos parecem, depois de um longo silêncio, estar dispostos a investir em Angola: além do corredor do Lobito, mais mil milhões de dólares virão para um projecto de energia solar, para pontes e telecomunicações.
Entretanto, este brusco flirt com Washington chega depois de duas décadas de intensas relações com Pequim, que continua a ser o principal credor de Angola. Neste espírito, João Lourenço, ao regressar da América, enviou, através do Ministro dos Negócios Estrangeiros Téte António, uma carta a Xi Jinping reafirmando a amizade e entendimento entre os dois países.

