Num artigo de fundo de Domingo, 18 de Junho, no New York Times, Patricia Cohen faz uma análise dos últimos anos da política mundial e do seu impacto negativo na Globalização. Parte da citação de uma frase de Christine Lagarde, então Directora Executiva do FMI:
“The current global economy, where it stands, is in a very sweet spot” Este “sweet spot”, este ponto certo, este ponto muito certo, sofreu desde então grandes transformações:
Primeiro foi a grande Epidemia Covid-19 que trouxe, naturalmente, o congelamento de muitas redes de transmissão e transporte e também logicamente a interrupção de muitas actividades produtivas.
Depois, ainda no rescaldo da Pandemia, e quando se iniciava a recuperação, veio a invasão russa da Ucrânia e o estado de guerra na Europa, arrastando uma série de consequências económico-sociais – subida dos custos da energia e da alimentação na Europa e nos países pobres, formação de blocos semelhantes aos da Guerra Fria, inflacção e altas das taxas de juro, enfim, todo o contrário do idílico “sweet spot” de há cinco anos.
Na verdade, as profecias optimistas vinham de mais atrás, precisamente de há trinta anos, quando no rescaldo da Guerra Fria houve uma espécie de euforia sobre a chegada de uma idade pandemocrática e pancapitalista, em que o modelo político-económico anglo-saxónico seria extensivo a todo o mundo. Estas crenças foram postas em causa desde o início por interpretações alternativas, como a teoria do “choque de civilizações” de Huntington, mas sobretudo pela própria realidade das coisas; que veio corrigir, pelos resultados, algumas das ilusões, entretanto tornadas verdades de fé.
Os ideólogos do que podemos chamar o optimismo liberal progressista postularam a ideia de um mundo regido pelos princípios da democracia política e do mercado global, um mundo sem fronteiras ou identidades, um mundo idealizado a partir da filosofia das elites internacionais de Davos, não deixaram de registar o golpe que a Covid-19 desferiu na “aldeia global” por eles idealizada. Por um lado, no início da crise na Europa, a Itália foi abandonada mesmo pelos seus parceiros europeus; por outro, a China, suspeita de lugar inicial da pandemia, não a denunciou para não macular a sua imagem internacional.
Por outro lado, serão as invisíveis forças dos mercados livres sempre benéficas, e benéficas para todos? A “mão invisível” de Adam Smith em A Riqueza das Nações (1776) é suposto trazer benefícios para todos e ser superior aos modelos de economia dirigida pela política, isto é, planificada.
Os críticos da “mão invisível” e da total desregulação dos mercados surgida no pós-guerra fria, lembram que – e Cohen volta ao tema no artigo do NY Times – “nos Estados Unidos e em outras economias avançadas, muitos empregos na indústria foram exportados para países de salários baixos”, numa procura febril pelas companhias da Euro-América, o que levou à desindustrialização e à perda de renda e estatuto das classes trabalhadoras no Ocidente. O que teve como consequência o chamado “populismo” ou “nacional-populismo” e uma radicalização do sistema político.
A guerra da Ucrânia veio trazer, sobre esta já degradada situação, os ventos da tempestade perfeita. Por um lado, quebrou o dogma da impossibilidade ou improbabilidade da guerra entre Estados ligados por laços e dependências económicas: as economias europeias, clientes do gás, do petróleo e dos fertilizantes russos, por imposição política das sanções, renunciaram à vantagem económica do preço e optaram por soluções alternativas bem mais caras. Ou seja, a geopolítica subordinou a economia.
A crise está, pois, aberta, e o mundo que nos aparece neste momento parece muito longínquo do que foi visionado e previsto como admirável, e agora já não parece tratar-se de encontrar a utopia, mas, essencialmente, de evitar o pior – a escalada da Guerra.

