A notícia do encontro em Pequim dos Ministros dos Negócios estrangeiros do Irão e da Arábia Saudita, anunciando uma reaproximação diplomática com reabertura das respectivas embaixadas, veio de certo modo, cortar a atenção europeia e mundial ao conflito russo-ucraniano.
A normalização das relações entre os dois Estados, os dois principais produtores de petróleo do Médio Oriente, há muito inimigos figadais, é uma notícia inesperada e surpreendente.
Ideologicamente, tudo separava e separa aqui a monarquia Saudita e a República Islâmica do Irão: a primeira é a líder do Islão Sunita, a segunda do Xiismo, tendo o corte de relações vindo precisamente da execução pelos sauditas do clérigo e dirigente xiita Nimr-al-Nimr. Os dois regimes, além disso, multiplicaram os actos de hostilidade cruzada, encontrando-se mesmo em guerra por interpostas facções no Yemen, uma hostilidade que se repete na Síria, no Iraque e no Líbano. A conclusão das negociações em Pequim, negociações que foram presididas por Wang Yi, o nº1 da diplomacia chinesa, é também significativa, embora as duas partes já tivessem tido contactos secretos no Iraque e em Omã.
O pacto firmado em Pequim pelo Ministro de Estado saudita, Musaad bin Mohammed Al-Aiban, e pelo Secretário iraniano do Conselho Supremo de Segurança Nacional, Ali Shamkhani, é também uma significativa vitória para a diplomacia chinesa, que se afirma na ocasião em que Xi Jinping acaba de ser reeleito para um terceiro mandato. Ao conseguir um entendimento entre dois Estados até agora irreconciliáveis, na área de onde provêm as suas mais importantes importações energéticas, a República Popular da China apresenta-se como um hábil árbitro internacional. Ao mesmo tempo desfere um golpe no prestígio americano, ao conciliar um Estado como o Irão, considerado inimigo por Washington, com um aliado tradicional da América, a Arábia Saudita que, ultimamente se tem mostrado muito pouco dócil às pretensões americanas. Aliás, uma das consequências imediatas da reconciliação pode ser o investimento saudita no Irão.
David Pierson, no New York Times de 11 de Março, não deixou de registar o significado para o papel de Pequim como rival dos Estados Unidos e arquitecto de uma ordem internacional alternativa à ordem liberal internacional. Os dois poderes inimigos são os grandes poderes de um Médio Oriente onde a influência norte-americana está claramente em declínio.
Para Pierson, o objectivo de Pequim é a evolução para uma ordem internacional multilateral e não ideológica. A aproximação a Riad vinha já a precisar-se com a visita do presidente Xi à capital saudita, para conversações com o príncipe herdeiro Mohamed bin Salman, o homem forte da monarquia saudita. Pouco depois desta visita, foi a vez de Xi receber em Pequim o presidente do Irão, Ebrahim Raisi.
Este acordo, em termos geopolíticos, significa um passo mais no caminho das políticas nacionais baseadas em interesses concretos dos Estados e mais um golpe na globalização. Confirma também a perda de influência dos Estados Unidos como árbitro e grande dono do jogo do Médio-Oriente, ao ser ultrapassado numa negociação tão importante por um Estado que, até há pouco, era um neófito na região – a China de Pequim.

