Há uma longa experiência dos efeitos político-económicos das sanções no século XX: os Estados de governo de minoria branca – como a Rodésia de Ian Smith e a África do Sul do Apartheid – foram sujeitos a prolongadas sanções pela comunidade internacional, sanções que aguentaram; os regimes acabaram por cair, mas não directamente por causa das sanções. Também, no lado oposto do espectro político, Cuba vive há mais de meio século sancionada pelos Estados Unidos; bem como, mais recentemente, o Irão e a Venezuela, mas os seus regimes mantêm-se.
A reflexão dos responsáveis da União Europeia sobre estes e outros casos deveria ter tido lugar quando, em natural reacção e resposta à invasão militar da Ucrânia, Bruxelas decidiu aplicar sanções à exportação de petróleo e gás russo para a Europa.
O problema destas sanções foi e está a ser o das sanções económicas em geral: a falta de ponderação e avaliação dos seus efeitos de boomerang. Além disso, para serem eficazes as sanções têm de deixar poucas alternativas de comércio ao sancionado.
Não foi o que aconteceu, nem é o que está a acontecer com as sanções da UE à Rússia, que estão a ter efeitos perversos, quase a beneficiando Moscovo. Vejamos alguns números: em Abril deste ano, segundo a Agência Internacional da Energia, a produção russa foi de 10.550 000 barris de média diária; em Maio foi de mais 130.000 barris. Mas, por causa do aumento do preço, em Maio Moscovo facturou 20 biliões de dólares de vendas, mais 1,7 biliões do que em Abril. Comparando a produção com os valores anteriores à invasão, esta baixou cerca de 850.000 barris por dia, mas a alta dos preços compensou largamente esta baixa.
Quanto aos compradores, embora a maioria tenha reduzido as importações, a própria UE aceitou as excepções da Hungria, da Eslováquia e da República Checa, países interiores e sem hipótese de fornecimento alternativo a curto prazo. Mesmo assim, segundo o New York Times, a redução de exportações de petróleo e derivados do petróleo apenas baixou 500 mil barris diários, estando, em Maio, em 3,4 milhões. Sempre segundo o New York Times, as expectativas são que, a seis meses, nos princípios de 2023, a produção tenha baixado significativamente.
Além do mais, por razões políticas, um grande número de países não aderiu às sanções e tem-nas aproveitado para comprar, em boas condições, petróleo russo: é o caso, em da Índia, que neste momento estará a importar cerca de 900 mil barris/dia, da China e da Turquia.
Segundo a Bloomberg, várias companhias públicas indianas – como a Indian Oil Corp. e a Hisdustan Petroleum – estão a fechar contratos a seis meses e a negociar a compra de crude à empresa russa Rosneft PJSC. Algumas destas companhias refinam o crude e reexportam-no para países terceiros.
O caso do gás para a Alemanha
A questão do gás natural, a outra commodity energética que os países da UE importam da Rússia, é também muito crítica: no espaço de um ano, os preços do gás natural aumentaram seis vezes. A Alemanha, potência económica número um do continente europeu, é dos países mais afectados. Na Quinta-Feira 23 de Junho, o ministro da Economia de Berlim, Robert Habeck, afirmou-o claramente, dirigindo-se aos seus cidadãos:
“Mesmo que ainda não tenham dado conta disso, estamos numa crise de gás. A partir de agora, o gás é um bem raro”.
As palavras de Habeck ganharam maior impacto, com a declaração da Gazprom, a multinacional pública russa do gás, de que ia cortar 60% dos fornecimentos encaminhados pelo gasoduto Nord Stream 1, inaugurado em 2011 por Angela Merkel e pelo presidente russo, Medvedev, o gasoduto que liga Vyborg, na Rússia, a Grisfswald, na Alemanha, e que foi. Reagindo às notícias do corte russo, em represália às sanções europeias, os países atingidos estão a procurar armazenar gás para se prepararem para o Inverno; se a Rússia cortar completamente os fornecimentos, há o risco de não haver gás nos países abastecidos pela Gazprom em Janeiro. No meio de uma nova subida dos preços – além da Alemanha, as interrupções e cortes no Nord Stream afectam a França, a Itália e a Holanda – crescem os receios de uma maior deterioração da situação, estando os governos a preparar os consumidores para cortes significativos no aquecimento.
Como alternativa, o governo de Berlim anuncia a reactivação de centrais a carvão, o que põe em causa os planos da progressiva “limpeza” energética. Em 2021, o gás russo representou 55% do consumo interno do país; a partir do começo da guerra na Ucrânia, os alemães têm procurado alternativas ao fornecimento russo na América, na Noruega e nos Emirados Árabes.

