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“Sharon Stone sai à rua com joia portuguesa: atriz norte-americana Sharon Stone (…) foi fotografada a passear em Beverly Hills, EUA, com uma peça de joalharia portuguesa”.
A notícia fez os cabeçalhos de muitos jornais e revistas nacionais, que divulgaram uma imagem da atriz usando um coração de filigrana ao pescoço enquanto passeava pelas ruas de Los Angeles, exibindo o coração de ouro português, que das mãos de artesãos de Viana e Gondomar saltava para as bocas de Hollywood e do mundo. Estávamos em 2014 e escreviam-se as primeiras linhas, mediáticas e estrategicamente mediatizadas, de mais um capítulo de uma estória que já se vinha escrevendo desde meados dos anos 2000, mas cujo clímax esperamos estar ainda por atingir e cujo epílogo se deseja ainda mais longe.
A notícia, ainda que breve e sem grande desenvolvimento, foi importante por ter sido expressão de dois marcos de viragem na indústria: a sua, agora, com Sharon Stone, mais do que evidente internacionalização, e a importância do digital neste mesmo desígnio. A imagem foi publicada e rapidamente disseminada pelas redes sociais, e dos media portugueses que fizeram eco nacional do sucedido, passaram a ser milhões os seguidores (da atriz) nas redes sociais a promover a joalharia portuguesa pelo mundo.
De longa história e enraizada tradição, a joalharia portuguesa esteve sempre fortemente focada no mercado interno, com muito poucas empresas vocacionadas para a exportação. O paradigma parece começar a alterar-se no final dos anos 90 e de forma mais premente a partir da crise de 2008, que obrigou tantos empresários portugueses das mais diversas áreas a procurar nos mercados externos a sobrevivência dos seus negócios. A joalharia portuguesa não foi exceção e desde então, o setor tem paulatinamente conquistado mercados além-fronteiras e ganho crescente notoriedade e reputação. A Sharon Stone, seguiram-se nomes como as atrizes Julia Roberts, Milla Jovovich, Andie MacDowell e Úrsula Corberó (a famosa Tóquio, na série da Netflix La Casa de Papel), a antiga modelo e ex-primeira-dama de França, Carla Bruni, ou mesmo a monarca de Espanha Letizia Ortiz e a princesa herdeira da Dinamarca, Mary Donaldson. Todas, de quando em quando, embaixadoras tácitas de joalharia que faz parte da herança portuguesa e que hoje integra o guarda-joias contemporâneo da realiza de Hollywood e da moderna realeza europeia.
Velhas tradições, novos consumidores
Não é apenas a joalharia portuguesa que está a mudar; o seu púbico também. As mudanças de um e outro estão, aliás, relacionadas e o recurso a figuras públicas e mediáticas, que vão da realeza ao mundo da música e do cinema, passando pelo universo dos influencers, atuais embaixadores das marcas no mundo do digital, não é acaso.
São já alguns os estudos que apontam para o surgimento de uma nova geração de consumidores no setor da joalharia. Apelidada por alguns como a “Geração Z”, a faixa etária dos 15 aos 25 anos (universo masculino incluído) poderá tornar-se a maior consumidora de joalharia nos próximos anos, com a joia a passar de peça de adorno e embelezamento, a peça de afirmação pessoal. O mercado está em mutação e conquistar esta nova geração de consumidores implica recorrer a novos canais e plataformas de comunicação.
Novas tecnologias e a tecnologia digital
A rapidez e voragem do tempo que corre exige uma adaptação aos novos canais de comunicação, instrumentos e técnicas de produção. A joalharia tem seguido esta tendência, aliando, do lado do fabrico, tradição e tecnologia e, do lado da promoção e comunicação, orientando as suas estratégias pelas redes sociais, abrindo novos caminhos para o seu posicionamento do mercado.
De novas técnicas de soldadura e corte, a inovações mais concetuais como a customização do produto em tempo record – sendo hoje possível concretizar rapidamente a peça imaginada pelo cliente mostrando-a numa uma impressão em 3D antes de a produzir em metal precioso – passando ainda pela criação de lojas online e atendimento ao cliente via zoom, a joalharia adapta-se, inova e surpreende, conquistando novos públicos e mercados.
Traduzido em números…
Estas novas formas de comunicar e competências para produzir têm permitido atingir milhões de faturação, parte significativa dos quais resultantes de exportações.
Integrando aproximadamente 4 mil empresas, empregando direta ou indiretamente cerca de 10 mil trabalhadores – entre joalheiros, cravadores, polidores, fundidores, designers, etc. – o setor tem vindo a crescer e a aumentar a sua quota no universo das exportações nacionais. Num ano fortemente marcado pela pandemia e por uma conjuntura fortemente adversa, os números apontam para um valor de exportações na ordem dos € 110 milhões, o que representa cerca de 16,7% do volume de negócios do setor. Para algumas empresas os mercados externos chegam mesmo a representar 90% do seu volume de negócios. Um valor verdadeiramente expressivo tendo em conta que no final dos aos 1990’s o setor pouco exportava. França, Espanha, Alemanha, Suíça, EUA, Hong-Kong, Inglaterra e Bélgica são os principais mercados de destino.
Mas há ainda espaço para crescer e expandir, e os mercados asiáticos são uma boa oportunidade nesse sentido. Realizada entre outubro de 2021 e março de 2022, a Expo Dubai foi a montra perfeita para a joalharia portuguesa e uma porta de acesso aos mercados mais a leste do médio e extremo oriente. Para a AORP (Ass. de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal), o objetivo é alcançar uma taxa de crescimento nestas geografias na ordem dos 10% ao longo dos próximos 5 anos. Uma meta ambiciosa para a qual o setor conta com uma verba de € 6 milhões destinada à promoção internacional daquilo que é feito em Portugal. O financiamento é do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, através do Portugal 2020, no âmbito do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização.
Comparando com setores como o calçado ou os têxteis que começaram a cruzar fronteiras mais cedo, a joalharia parece estar a dar os seus primeiros passos além-fronteiras. Mas o caminho faz-se andando e as joias portuguesas parecem andar no caminho certo. Não só as marcas portuguesas vão, por si só, conquistando novos mercados, como várias marcas internacionais recorrerem já a empresas portuguesas para produzirem as suas séries e produtos. Com alguns obstáculos pelo caminho, desde logo no plano da legislação, a estória da joalharia portuguesa vai-se escrevendo. Estamos num novo capítulo e queremos continuar a traçar novas linhas para um clímax que ainda está por vir e um epílogo se deseja nunca alcançar.

