Por Jaime Nogueira Pinto
Paralelamente aos aspectos político-diplomáticos e aos “jogos militares” ou manobras estratégicas, o conflito Rússia-Ucrânia e A sua vertente Rússia-Ocidente trazem implicações geoeconómicas muito importantes.
Trata-se da questão da energia, de que a Europa é dependente e tem de importar. E essa dependência energética agravou-se com as políticas de descarbonização e “economia verde”. Em 2000, a União Europeia dependia em 56% de importação de energia; em 2019, antes da Pandemia, passou para 60%.
Há 60 anos esta energia tinha duas fontes essenciais – petróleo e carvão. Hoje (em 2020), cerca de 35% vem do petróleo, 25% do gás natural, 15% do carvão, 15% das renováveis e os restantes 10% do nuclear.
A Rússia é o país que forneceu 23% do petróleo importado pela UE e 40% do gás. Se olharmos um mapa dos gasodutos que, vindos de Bovanenkovo, Yamburgskoye, Zapolyarnoye e Urengoy, chegam aos países europeus importadores, vimos que já não há muitos gasodutos a passar pela Ucrânia, embora as royalties dos direitos de passagem dos que continuam ainda signifiquem 4% do PNB ucraniano.
No tempo da URSS, o gás chegava à Europa, principalmente via Ucrânia, pelo gasoduto conhecido por “Rede Fraternidade” e também via Bielorrúsia. Mas a partir de 2000, a Rússia tratou de construir pipelines que contornam o território ucraniano, caso do “Blue Stream”, via Turquia, e do “Nord Stream 1”. Por este, passam anualmente 55 biliões de metros cúbicos de gás; quando o “Nord Stream 2” estiver operacional, esta quantidade directa passará para o dobro.
Os preços do gás natural, entretanto, dispararam cerca de 60% na Europa, entre Janeiro de 2021 e Janeiro de 2022, ao contrário do que sucedeu nos Estados Unidos onde se mantêm estáveis.
A política da Administração Biden, ao hostilizar a Rússia, levou-a a aproximar-se muito da China nos últimos tempos. De uma forma aliás nunca vista, mesmo nos tempos em que Pequim e Moscovo eram comunistas. Aliás, a amizade entre os poderes “socialistas” fora breve, pois tendo Mao-Tsé-Tung tomado o poder em 1949, pouco depois, devido ao modo humilhante como Estaline o tratou na sua visita à URSS, registou-se alguma frieza na relação.
Frieza que, mais tarde, já nos anos 60, passaria a hostilidade aberta pela liderança do movimento comunista mundial. Depois, com a iniciativa de Nixon e Kissinger de abertura à RPC para isolar a URSS, a ruptura foi decisiva e definitiva.
Agora, graças à tensão na Europa, Putin negociou com Xi Jinping fornecimentos de gás a 30 anos, estando planeada a construção de um gasoduto, “Siberia 2”, que poderá seguir através de Ula Bator, na Mongólia, até Pequim.
Os números em jogo são muito importantes e permitem-nos uma abordagem à relação entre Geopolítica e Geoeconomia e suas interdependências.
Neste momento, cerca de 40% do gás importado pela Europa vem da Rússia; e a Rússia recebe 60% das suas receitas de comércio exterior da Europa. A interrupção da passagem pela Ucrânia não afectaria muito seriamente o volume das exportações do gás para a Europa Ocidental, onde se encontram os maiores clientes – Alemanha, França e Itália.
Mas para além destes três “grandes”, há dez Estados da Europa Central e Oriental que importam da Rússia 75% do seu gás. A questão é que as sanções contra a Rússia, no caso desta invadir a Ucrânia, têm de ser aprovadas pelos 27 países membros e alguns, como a Áustria e a Bulgária, têm relações especiais e dependência de Moscovo.
Numa confrontação – já vimos claramente que nem os Estados Unidos, nem a NATO, nem nenhum país europeu considera ir para a guerra com a Rússia por causa da Ucrânia – as consequências serão sanções económicas. E os interesses cruzados à volta da exportação de hidrocarbonetos, donde a Rússia retira as mais-valias do seu comércio externo e as abundantes reservas do seu Tesouro, seriam postos em questão.
Por outro lado, alguns analistas vêm a escalada da crise pelo lado dos Estados Unidos que, constantemente, através do Presidente Biden ou ainda pela voz do Secretário de Estado Blinken, anunciam uma iminente invasão e toda a crise da Ucrânia, como uma forma da Administração Biden, em ano de eleições em que os Democratas podem perder o controlo das duas Câmaras, criar um clima de “união nacional” que sempre aproveita aos governos incumbentes.
É esta a tese do escritor e jornalista libertário, Mike Withney, em The Unz Review, uma publicação norte-americana que se define como “An Alternative Media Selection” que insere “Perspectives Largely Excluded from the American Mainstream Media”.
No seu texto, Whitney sustenta que a crise ucraniana é uma forma dos Estados Unidos combaterem a aproximação da Alemanha à Rússia, através do consórcio do gás e de outras relações comerciais que encorajariam e normalizariam a la longue as relações dos europeus com os russos, que são também europeus.
Na sua visão, o que está sobretudo em jogo é a aprovação do pipeline Nord Stream 2, que passará a abastecer directamente 26 milhões de famílias alemãs.
O Nord Stream 2 é um pipeline de 1200 Kms sob o Mar Báltico, ligando Ust-Luga, na Sibéria, a Greifswald na Alemanha, custou 11 mil milhões de Dólares, foi contruído pela Gazprom, e para alguns dos seus inimigos equivale a um novo pacto Molotov-Ribbentrop.
A construção acabou em Setembro passado, mas para entrar em funcionamento falta a aprovação dos reguladores alemães. Foi acidentada, com Trump a dizer à Chanceler Merkel que com essa construção a Alemanha iria “alimentar a besta”. A nova Administração seguiu primeiro a linha Trump, mas a partir de Maio do ano passado a posição de Washington mudou e os Estados Unidos levantaram as sanções ao CEO do Nord Stream, Matthias Warnig, o que foi comunicado oficialmente à Chanceler em Julho, na sua visita de despedida à Casa Branca.
Isto foi muito mal recebido pelos Republicanos e o senador Ted Cruz chegou a ameaçar as companhias alemãs envolvidas na construção do pipeline. Por outro lado, com a abertura da crise nas fronteiras da Ucrânia, a subida dos preços do gás e entrada dos “verdes” (inimigos do Nord Stream 2) no Governo de Berlim, a questão está em aberto outra vez.

