Acordos de investimento UE-China

Pequenos-Grandes Ganhos. Para Quem?

Ao fim de sete anos de negociações, foi finalmente assinado, em dezembro de 2020, um acordo em matéria de investimentos bilaterais entre a União Europeia (UE) e a República Popular da China (China). Para a Europa, um acordo que significa o “acesso sem precedentes ao mercado chinês” (Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia-CE); para Pequim, “um presente de ano novo para o mundo” (Global Times – jornal associado ao Partido Comunista Chinês); para Washington... más notícias (ninguém diz, mas todos sabem).

Na perspetiva da Europa, o grande objetivo é garantir um maior e mais igualitário acesso ao mercado chinês, reforçando as oportunidades das empresas europeias para investir e trabalhar na China. As relações entre o país e a UE, em matéria de comércio e investimento, são desde há muito marcadas por uma enorme desigualdade, apresentando o mercado europeu muito maiores níveis de abertura ao investimento chinês, sem qualquer simetria para as empresas europeias, durante décadas confrontadas com demasiadas restrições e dificuldades à sua entrada.

De acordo com dados da CE, ao longo dos últimos 20 anos, o investimento de empresas europeias na China foi superior a EUR 140 mil milhões, contra os EUR 120 mil milhões que a China investiu na Europa. Os termos desta relação podem, à primeira vista, parecer favorecer o lado europeu. Importará notar, no entanto, que aquele é um valor relativamente modesto, senão mesmo incipiente, considerando a dimensão e o potencial da economia chinesa: 1,4 mil milhões de consumidores, segunda maior economia mundial, com uma quota de quase 18% em 2020, e perspetivas de crescimento de 8,2% para 2021 e de 5,7% até 2025. Perspetivas de crescimento animadoras, principalmente na atual conjuntura, mas que de pouco servirão à Europa se a China não permitir uma maior abertura da sua economia ao capital privado e ao investimento externo.

A assinatura deste acordo foi, sem dúvida, uma conquista nesse sentido. Mas importa sublinhar que este é apenas um acordo prévio, um acordo de princípio, um primeiro passo num longo caminho a percorrer, onde se adivinham percalços, avanços e recuos, altos e baixos. Desde logo, do lado europeu, o acordo terá ainda de passar pelo Conselho (Estados) e pelo Parlamento. Se no primeiro caso não são de prever grandes dificuldades à sua aceitação, o mesmo não poderá ser dito, pelo menos não taxativamente, quanto à discussão e votação no Parlamento, onde poderão surgir algumas surpresas. A Bélgica e os Países Baixos, por exemplo, apontam o dedo ao histórico de direitos humanos na China. A Polónia, por sua vez, alerta para os riscos de que as relações com os Estados Unidos possam ser prejudicadas.

Os riscos existem, e eles serão discutidos nas instâncias europeias. Foquemo-nos, por ora, nas vantagens para a Europa.

 

Boas notícias para a Europa

Na prática o que muda?

Cerca de metade do investimento europeu (IDE) na China ao longo dos últimos 20 anos foi dirigido aos sectores dos transportes, equipamentos de saúde, de telecomunicações e ao sector dos químicos. Áreas onde os compromissos assumidos foram feitos com muito poucas exclusões. Boas notícias para a Europa!
No sector da saúde, uma das grandes novidades é a possibilidade de uma maior ligação aos hospitais chineses, com a abertura do mercado a joint ventures com unidades hospitalares em várias cidades, nomeadamente Pequim, Xangai, Tianjian, Guangzhou e Shenzhen.

Tratando-se da indústria automóvel, a China compromete-se a remover os atuais requisitos para a formação de joint ventures no sector, abrindo também portas ao mercado dos veículos ecológicos.

No sector financeiro, prevê-se a eliminação dos requisites exigidos à formação de joint ventures na área da banca, comércio de seguros e ações, assim como gestão de ativos.

Em cima da mesa estão também regras contra a transferência forçada de tecnologia, regras de transparência na atribuição de subsídios, privilégios de empresas estatais, compromissos relacionados com o desenvolvimento sustentável (regras anti dumping ambiental), segurança alimentar e sanitária, trabalho forçado, não discriminação etc. A Europa espera uma concorrência mais justa…

O acordo também traz novidades a nível laboral. Gestores e especialistas das empresas europeias (UE) passam a poder trabalhar em subsidiárias chinesas por três anos sem restrições (quotas, testes do mercado laboral etc.).

Alguns exemplos do que ficou acordado em princípio e que se espera trazer um maior equilíbrio às relações comerciais entre as partes. Fica para ver o que será, de facto, implementado. Por ora, é com bons olhos que Bruxelas vê o compromisso da China em abrir um conjunto de sectores-chave que passam a estar ao alcance do investimento das empresas europeias.

Não é comum dizer-se, mas não deixa, por isso, de ser verdade. Há muito que a Europa se depara com o mesmo problema que o ex-presidente Trump tentou resolver durante a sua passagem pela Casa Branca e que descambou num conflito comercial entre Washington e Pequim, cujas repercussões se fizeram sentir por todo o mundo - um défice comercial com a China, que Bruxelas espera agora começar a reduzir, ajudando à recuperação da indústria e economia europeias.

 

….. para a China

O posicionamento chinês é bem diferente do europeu. As suas expectativas também o são. Desde logo, porque Pequim acredita que, no plano macro, a indústria e a economia europeias precisam mais da China, do que a China precisa da Europa.

Apesar desta assimetria, Pequim espera (e precisa) que o investimento europeu traga spillovers, nomeadamente em matéria de tecnologia e de know-how, que lhe permitam manter a trajetória que vem traçando no domínio tecnológico – atualmente o 14º país líder mundial em inovação tecnológica e o único de rendimento médio entre os 30 principais –, agora mais do que nunca, em face das dificuldades sem precedentes que o líder mundial em tecnologia, os EUA, impôs ao progresso tecnológico chinês, durante a administração Trump. Garantir a liderança da China em tecnologias de ponta emergentes, para que o país ganhe uma parcela considerável do mercado mundial, é um dos pilares da política económica de Xi Jinping e da sua visão estratégica quanto ao papel e posição da China no mundo. O atual acordo com a UE é um passo importante nesse sentido.

Um outro pilar daquela política reside nas Novas Rotas da Seda (Belt and Road Initiative). Um plano estratégico de muito longo prazo, cuja elaboração não poderá ser aqui ser desenvolvida, mas que, em termos gerais, permitirá à China aumentar substancialmente a sua quota no mercado mundial e que tenderá a culminar na criação de uma rede de comércio internacional sinocêntrica, a qual não poderá ser dissociada de uma agenda política subjacente. O acordo de investimento agora assinado com a UE, poderá ser uma importante porta de entrada da China na Europa, que tem levantado enormes reservas à sua participação nesta iniciativa.

Para Pequim o jogo é outro, maior, mais alto e extravasa o plano europeu. “Um presente de ano novo para o mundo”, diz-se no Império do Meio. Trata-se, sem dúvida, de mais um passo a caminho da globalização que Xi Jinping quer manter sob sua orientação e influência direta.

 

E para Washington?

Numa altura (3º trimestre de 2020) em que a China conseguiu ultrapassar os Estados Unidos, tornando-se, pela primeira vez na História, o maior parceiro comercial da UE, a assinatura deste acordo e as suas implicações são más notícias para Washington. Jake Sulivan, atual Conselheiro para a Segurança Nacional da Administração Biden, ainda antes da tomada de posse do novo presidente e seu executivo, alertava já para os perigos do acordo. Um acordo que deve ser interpretado à luz de um plano estratégico mais vasto de Pequim, que põe de sobremaneira em risco os interesses e a posição dos Estados Unidos no mundo. Washington não deixará de responder.

Dos dois lados do Atlântico há alertas para os riscos do novo acordo. Não se trata de ser pessimista quanto aos seus termos, nem tão pouco quanto às vantagens, óbvias, inegáveis, para as empresas europeias e, por maioria de razão, para as portuguesas. Mas até que ponto as vantagens comerciais de curto prazo poderão traduzir-se em perdas políticas e estratégicas de longo prazo? Estará a Europa disposta a isso? Estaremos nós?

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