Ainda que não aprovado, existe neste momento um acordo em cima da mesa cujos termos são conhecidos, o que ajuda a cálculos mais precisos quanto ao impacto que a saída do Reino Unido (RU) terá para a actividade das empresas exportadoras nacionais e, de forma mais geral, no todo da nossa economia. Ainda assim, é difícil quantificar com exactidão os custos associados a tal saída. Mas uma coisa é certa, a saída do RU da União Europeia comporta um risco forte para a economia portuguesa, sobretudo em virtude de 3 factores:
- uma previsível redução dos fluxos de investimento estrangeiro dirigidos ao nosso país;
- uma expectável diminuição das remessas dos nossos emigrantes;
- e por via de uma diminuição, principalmente numa primeira fase, das exportações nacionais para o mercado britânico (foram já muitos os sectores afectados).
Esperam-se, fundamentadamente, impactos negativos. Os riscos são reais e necessitam de ser acautelados. Neste momento, as empresas têm já de ajustar a sua resposta a uma economia que se apresenta pouco dinâmica - e cujas dificuldades são ainda mais exacerbadas por um contexto internacional também altamente desafiante - à instabilidade da situação política interna e às incertezas prolongadas quanto ao desfecho do Brexit. Este parece ser mesmo o mais importante dos desafios, e o maior ou menor grau de risco deste mercado dependerá, em muito, do desfecho do processo de saída.
Se o acordo de saída, tal como está estabelecido - e a UE já assumiu oficialmente que não está disponível para renegociações com a nova equipa governamental - vier a ser aprovado e ratificado, as suas disposições entrarão em vigor, ou no 1º dia do mês seguinte à sua ratificação, ou a 1 de Novembro de 2019, consoante a data que ocorrer primeiro. A verificar-se este cenário, haverá um importante período transitório (previsto até ao final de 2020), durante o qual continuarão a prevalecer as actuais regras do mercado único. Uma fase de transição essencial para uma melhor e mais cabal adaptação das empresas às novas regras que irão ditar o relacionamento futuro entre as partes, em matéria económica, comercial e de investimento.
Porém, se o acordo não for aprovado e ratificado até 31 de Outubro abrem-se portas a um cenário de maior risco e imprevisibilidade. O Reino Unido abandonará efectivamente o bloco comunitário no final de Outubro, mas sem um compromisso negociado, sem regras estipuladas de comum acordo, com muito menor possibilidade de um equilíbrio de interesses entre as partes, deixando o país de estar representado em todas as instituições, agências e organismos europeus (o que muito facilitaria a continuação de um diálogo multilateral construtivo) e sem que haja qualquer período transitório. Um cenário menos desejável, de maior risco, que obrigará a soluções temporárias, de implementação mais rápida a nível político, económico, administrativo e legislativo e, como tal, não necessariamente as mais benéficas para ambas as partes.
As exigências de adaptação far-se-ão sentir de forma mais premente, o impacto será previsivelmente mais duro, exigindo-se planos de contingência adequados e eficientes, e as empresas terão de ser mais rápidas e mais flexíveis na sua capacidade de resposta - o que para muitas empresas portuguesas poderá ser um grande desafio.
O próprio Governo português está a preparar-se para um cenário de impacto particularmente negativo e de risco mais elevado, tendo já aprovado um Plano de Preparação e de Contingência, disponibilizando uma “Linha Específica” de apoio para as empresas com exposição ao Brexit, num valor total de EUR 50 milhões.
Mas os riscos e obstáculos que o mercado britânico denota não devem esconder as vantagens que ele ainda apresenta, as oportunidades que subsistem e aquelas que poderão advir do próprio processo de saída.
As mudanças verificadas na economia britânica ao longo dos últimos anos - desde logo visíveis numa crescente desindustrialização - criaram oportunidades comerciais em vários sectores de actividade, nomeadamente tratando-se de bens de consumo, com especial destaque para os sectores do vestuário, mobiliário, no sector têxtil, (principalmente na fileira do lar), artigos de cerâmica, entre alguns outros que pela sua capacidade e qualidade de produção - actualmente cada vez mais associadas ao design - as empresas portuguesas foram, e têm sido, capazes de aproveitar.
O “sim” à saída do RU da UE foi um dos grandes impulsionadores de uma nova estratégia industrial para o país, que já ganhou forma numa nova política a que se deu o nome “Estratégia Industrial Moderna.” A introdução desta estratégia pós-Brexit assustou muitos daqueles que até então vinham beneficiando do desinvestimento do país no sector. Não será caso para tanto, pois muitos dos objectivos que se pretendem atingir com a nova política, apesar do investimento público anunciado, dificilmente serão alcançados sem investimento privado, nomeadamente estrangeiro, e sem a participação de fornecedores externos em matéria de infra-estruturas de comunicação, engenharia, no sector da construção civil, serviços de consultoria associados, habitação etc.
Aquelas mesmas mudanças operadas fizeram da economia britânica uma das mais desenvolvidas de todo o mundo, afirmando-se como um mercado forte, feroz e altamente competitivo, no qual - principalmente consoante o segmento de mercado em causa - é necessário um esforço significativo para as empresas se destacarem entre outras marcas e produtos já estabelecidos. Uma exigência à qual as empresas portuguesas terão cada vez mais de dar resposta, especialmente face ao novo contexto relacional com o mercado britânico.
Num país tecnologicamente inovador, existem oportunidades a ser exploradas também nesta área. No último ano abriram 1,7 milhões de postos de trabalho no domínio da tecnologia digital, actualmente responsável por 1/5 de todas as vagas no mercado de trabalho britânico. Londres continua a ser o grande pólo da economia digital do país, mas o sector começa a expandir-se para outras áreas geográficas. De acordo com alguns especialistas, o RU continua a ser um dos melhores mercados para estabelecer e expandir negócios no domínio da tecnologia, e a actual estratégia do governo visando um maior desenvolvimento da economia digital (também pós-brexit) tenderá a criar ainda mais oportunidades no sector. Sector, sublinhe-se, onde são cada vez mais as empresas portuguesas a dar cartas. Neste contexto, de destacar ainda oportunidades no sector eléctrico, das telecomunicações, informática, soluções de software e no sector da biotecnologia.
As áreas da robótica, inteligência artificial, smart energy e tecnologia de rede móvel 5G são outras das novas apostas do país, cujo desenvolvimento também poderá traduzir-se em novas oportunidades de negócio e investimento.
Outras áreas com potencial para as nossas empresas encontram-se no sector dos medicamentos (destinados ao retalho) e no sector dos serviços, principalmente quando relacionados com o turismo.
O sector alimentar é outro cujo potencial não desapareceu. Depois da quebra registada em 2016 - em larga medida por razões associadas ao resultado do referendo - as exportações de bens alimentares e bebidas retomaram a trajectória de crescimento que vinham fazendo, continuando a ser um dos sectores com especial potencial para as nossas empresas. Mas, hoje, um sector marcado pelo aparecimento de novas tendências como o plastic-free e onde, embora a maioria das vendas ainda seja feita in loco (lojas físicas), o on-line cresce rapidamente.
O crescimento do e-commerce, através dos mais variados dispositivos (PCs, tablets, telemóveis etc.) é, aliás, uma tendência generalizada no mundo do retalho. Num mercado avaliado em mais de 66 milhões de consumidores e onde se estima que mais de 90% sejam utilizadores da internet, não poderá deixar de ser aqui encontrado um enorme potencial para as empresas que apostam cada vez mais nas vendas on-line como estratégia de conquista e expansão da sua cota de mercado. Assim é na abordagem a vários mercados externos, mais terá de ser no RU, um dos mercados líderes na compra on-line entre todos os mercados europeus neste domínio.
Estes são apenas alguns exemplos de oportunidades que o mercado britânico continua a apresentar e que as empresas portuguesas não deverão subestimar perante o risco e a incerteza que caracterizam o actual clima de relações comerciais entre os países. E mesmo algumas das dificuldades com as quais a economia britânica se defronta devem ser desmistificadas.
Ainda que a um ritmo bastante moderado e claramente abaixo da média europeia, ao contrário da expectativa de muitos analistas, a economia continuou a crescer no contexto pós-Brexit.
Também o desemprego, não obstante a previsão de uma ligeira subida, continua a registar uma das mais baixas taxas em toda a UE.
É igualmente certo que com a expectativa de saída se assistiu a uma desvalorização da libra esterlina que inevitavelmente levou a uma subida da inflação o que, por sua vez, teve um impacto negativo no poder de compra das famílias: um indicador que não pode deixar de ser equacionado pelas empresas. No entanto, segundo algumas agências especializadas, ainda que representando algum nível de abrandamento face aos últimos 3 anos (2016-2018), espera-se que o consumo privado cresça a um ritmo superior ao crescimento do PIB. As projecções sugerem um aumento do consumo privado em 1,6% em 2019 e 1,7% em 2020, enquanto para os mesmos anos o PIB deverá crescer apenas 1,2% e 1,4%, respectivamente. Face a este gap, alguns especialistas defendem que a melhoria do poder de compra significa que os consumidores têm sido bem menos afectados - pelas incertezas sobre a economia e sobre o Brexit em si - nas suas decisões de consumo do que as empresas. Por outras palavras, mesmo que os níveis de confiança dos consumidores tenham atingido no final do ano passado/início deste ano o valor mais baixo desde 2013, as percepções dos consumidores sobre finanças pessoais e predisposição para consumir revelam-se, no essencial, bastante mais positivas do que a sua visão sobre a economia.
Estudos recentemente publicados mostram que nos últimos 3 anos a evolução do rendimento disponível das famílias tem registado uma trajectória de aceleração de ano para ano. É possível que esta tendência não se mantenha, principalmente agora, perante a crescente probabilidade de uma saída sem acordo que poderá dar origem a um período de maior turbulência económica contra a qual terão de ser lançadas medidas de estímulo. De qualquer modo, a trajectória registada desde o anúncio da saída do bloco comunitário em 2016, revela níveis muito interessantes de resiliência e capacidade de adaptação do consumidor britânico. Algo que também não deve escapar às empresas portuguesas na sua análise aos riscos e oportunidades deste mercado.

