O Primeiro-ministro português, António Costa, viajou até Luanda no passado mês de Setembro para uma vista oficial ao país de dois dias, onde as relações económicas bilaterais marcaram a agenda. A visita do PM português teve lugar numa altura em que se completa um ano de governo do novo presidente, João Lourenço. Não terá sido inocente.
Toda a região da África subsariana vive uma hora decisiva, com um conjunto de variáveis políticas, económicas e securitárias a marcar de forma indelével a evolução dos acontecimentos numa série de mercados de destino das exportações portuguesas. No caso concreto da África Austral, ressalta um processo de transformação, visível em mudanças políticas - desde logo nas suas lideranças - que já atingiram três dos seus principais Estados: a República da África do Sul (RAS), o Zimbabué e Angola. No último caso, o nosso 8º maior cliente e o mais importante entre os PALOP e em todo o continente africano e para onde, em 2017, foram exportados bens no valor de quase 1,790 mil milhões de euros.
Na RAS, Cyril Ramaphosa tem opções dilemáticas, como a expropriação de terras sem compensação, aprovada no Parlamento. No Zimbabué, a queda de Mugabe abriu um processo de transição política que permanece duvidoso. Em Moçambique a situação securitária é preocupante em algumas zonas do norte do país. Já em Angola os acontecimentos mais recentes apontam para uma efectiva transição política num país que se pretende afirmar como factor de estabilidade e crescimento na região. Referimo-nos a três desenvolvimentos específicos: o congresso extraordinário do MPLA, a última vaga de prisões e detenções políticas e no mundo empresarial e novidades em matéria de política cambial e finanças.
O grande resultado do congresso do MPLA foi, sem dúvida, a substituição de José Eduardo dos Santos na presidência do Partido, pondo fim a um ano de bicefalia política e concluindo um processo de transição iniciado com a designação de João Lourenço como candidato do MPLA às presidenciais de 2017 e sua posterior vitória. Não menos importante foi a mudança geracional operada no seio do partido, essencial para garantir mudanças futuras no país a nível político, social e até mesmo económico.
Por outro lado, o compromisso do novo Executivo de combater a corrupção e a impunidade voltou a ganhar fôlego nas detenções de várias figuras “de peso” da política e economia angolana. Entre elas, algumas figuras do anterior governo - nomeadamente do ex-ministro dos Transportes, Augusto da Silva Tomás - e até mesmo o filho do ex-presidente José Eduardo dos Santos, José Filomeno dos Santos (“Zenu”), juntamente com Jean-Claude Bastos de Morais, seu associado, em processo ligado ao Fundo Soberano de Angola.
As grandes novidades em matéria de finanças e política cambial surgem pela mão do Banco Nacional de Angola (BNA) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). O BNA, no âmbito da normalização do funcionamento do mercado cambial, retomou a venda de moeda estrangeira nos leilões de divisas e deixou de proceder a vendas directas de divisas, sem indicações específicas das operações ou importadores para os quais os fundos devem ser vendidos pela banca comercial. O fim último desta estratégia será devolver aos bancos comerciais autonomia na alocação de moeda estrangeira aos seus clientes, esperando-se, com este sistema, uma alocação mais imparcial das divisas no pagamento dos atrasados e a atenuação das percepções negativas dos clientes sobre os critérios de selecção dos beneficiários aplicados pela banca comercial.
Já o FMI enviou a Luanda uma missão para iniciar negociações ao abrigo de um Programa de Financiamento Ampliado (EFF – Extended Fund Facility), que terá a duração de três anos, conforme solicitado pelo Executivo angolano. Através deste EFF pretende-se facilitar a implementação do “Programa de Estabilização Macroeconómica” e do “Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022”, instrumentos centrais para o necessário ajustamento e crescimento económico, bem como para os objectivos de diversificação da economia, atracção de investimento directo estrangeiro e redução da estrutura de custos dos financiamentos. O tema “FMI” não é tabu para o presidente João Lourenço e depois das suas visitas a Washington, Paris, Berlim, Bruxelas e Pequim, faz sentido esta abertura.
Nas negociações com o FMI, espera-se que a questão do peso da dívida pública seja uma das prioridades, pois a actual situação é considerada insustentável e totalmente impeditiva face aos objectivos de crescimento e desenvolvimento do país, no centro dos quais está a necessidade de diversificação da sua economia, ainda demasiado dependente dos hidrocarbonetos. A situação é delicada, mas as perspectivas são optimistas, alimentadas pela recente subida do preço do crude e ainda mais reforçadas pela evolução política que vem sendo registada e que denota um sério compromisso de mudança.
Embora discreta, a ruptura que João Lourenço vem fazendo é audaciosa. O novo presidente foi rápido e avançou desde cedo para objectivos de risco, dado o peso dos visados, aliando decisão e autoridade, sendo incisivo e cirúrgico, mas sem brutalidade ou arrogância, num estilo diferente do seu antecessor, mais discreto, simples e mais aberto. Por vezes sibilino, mas sempre suficientemente claro para que os destinatários o entendam.
Ainda que considerado um país de risco político elevado e apesar da debilidade do quadro económico-financeiro, o balanço de um ano de governação parece ser positivo. O modo pacífico como a transição tem sido operada e a estabilidade que tem sido mantida são evidentes. As mudanças têm sido reais e bem acolhidas pelos angolanos e pelos parceiros internacionais, ajudando à recuperação da imagem e credibilidade externas do país.
Assim, dada a conjuntura regional na qual está inserida - considerando as tensões na África do Sul, no Zimbabué e em Moçambique, neste caso com o aumento do risco securitário e o seu impacto no investimento externo - Angola parece caminhar cada vez mais para se tornar um dos maiores factores de estabilidade na região.
É precisamente neste contexto que António Costa e a sua comitiva se deslocam a Luanda, numa viagem com uma forte componente económico-comercial, e de onde destacamos a assinatura de uma dezena de acordos entre os quais uma convenção para o fim da dupla tributação e um memorando para a progressiva regularização de dívidas de entidades públicas angolanas a empresas portuguesas, cujo montante global se estima entre os 400 e os 500 milhões de euros. Os dois Executivos deverão ainda alargar linhas de crédito, estabelecer um plano de cooperação no sector da agricultura e assinar um Programa Estratégico de Cooperação 2018/2022.
Os Portugueses têm muito a fazer em Angola e por Angola, desde logo, mas não só, na reconversão da sua economia, onde as oportunidades se multiplicarão e não deixarão de ser aproveitadas por investidores de todo o mundo. O Primeiro-ministro parece estar ciente desta realidade. Assim parece ser. Resta-nos saber se assim será de facto. As empresas exportadoras gostariam que assim fosse.

