O calçado português continua a conquistar os mercados internacionais. Desde 2009, as vendas ao exterior subiram 59% para atingirem um pico histórico no final de 2016 com cerca de 82 milhões de pares exportados - quase 95% do total produzido - no valor de 1,9 milhões de euros, fazendo desta indústria uma das que mais contribui para a balança comercial portuguesa.
O ano de 2017 parece confirmar a tendência de subida. No final do primeiro semestre, eram já 43 milhões os pares de calçado vendidos, totalizando 960 milhões de euros em exportações, o que representou uma subida de 6,3% face ao mesmo período de 2016. Este crescimento sentiu-se em quase todos os mercados relevantes. Na UE verificou-se um acréscimo de 5,2%, em grande parte explicado pelo aumento das vendas à Alemanha (+8%), à Holanda (+6%) e à França (+4%). Fora do espaço europeu o crescimento foi mais significativo em Angola (+126%), na Rússia (+32%), no Canadá (+30%), nos EUA (+7%) e no Japão (+6%). 
O aumento das exportações parece não parar e, a confirmar-se a tendência de crescimento que vem sendo seguida e uma vez conhecidos os números finais de 2017, este deverá ser o 8º ano de crescimento ininterrupto do sector na sua vertente internacional. Ao que tudo indica, em 2017 deverá ser atingido um novo máximo histórico de exportações.
E mesmo que o ritmo de crescimento tenha abrandado nos dois últimos anos em torno dos 6% – face uma média anual de 10% entre 2009 e 2014 – os valores apresentados ganham importância acrescida se comparados com a realidade de outros produtores mundiais, como a Itália ou a Espanha, cujas vendas ao exterior têm vindo a diminuir.
A indústria do calçado vai assim de vento em popa. Os números comprovam-no e são muitas vezes analisados como verdadeiros case studies nos mundos empresarial e académico, onde se procura perceber quais as razões do sucesso português.
Há três décadas, numa altura em que a indústria nacional do calçado enfrentava uma das mais sérias crises, levando alguns a anunciar a morte do sector – em grande parte porque países como a China e o Bangladesh começaram a comercializar os seus produtos nos mercados externos de forma bastante agressiva –, alguns mais visionários decidiram repensar a forma de fazer calçado, apostando no potencial dos sapatos de moda e de alta qualidade com o rótulo “made in Portugal”.
O sector acabou por se tornar um dos melhores exemplos nacionais de reinvenção e adaptação às novas tendências e padrões de consumo. Sapatos de elevada qualidade, de luxo, com estilo, de design, ora clássicos, ora mais criativos, por vezes com toques de excentricidade na combinações de materiais, cores e padrões caracterizam esta indústria, cada vez mais moderna e dinâmica, competindo directamente com grandes empresas a nível internacional.
Hoje, Portugal encontra-se entre os maiores produtores mundiais de sapatos: 17º lugar em pares vendidos – o 3º a nível europeu, depois de Itália e Espanha – e o 12º tratando-se do valor das exportações, feito notável numa indústria que no plano mundial é dominada por produtores de baixo-custo. Para isto, muito terá contribuído o aumento em 24% do valor médio do preço de exportação dos artigos portugueses nos últimos sete anos. Actualmente o calçado produzido em terras lusas é o segundo mais caro do mundo – com um preço de exportação médio de aproximadamente 22 euros –- apenas atrás dos sapatos italianos (preço médio de 41 euros). Ainda assim, as vendas não param de aumentar, pese embora o preço médio de exportação a nível mundial tenha recuado nos últimos dois anos, situando-se em torno dos 8 euros.
O sucesso alcançado é o resultado de uma linha de acção empresarial bem pensada, estrategicamente definida e que vem sendo consolidada nas últimas três décadas. Igualmente importante foi o factor investimento: em inovação, no desenvolvimento de um produto de qualidade; na criação de marcas e na sua promoção internacional – área na qual as empresas portuguesas apostam cada vez mais. O segundo semestre de 2017 parece ser histórico, com um recorde de 200 empresas a marcar presença em feiras e acções promocionais espalhadas pelos cinco continentes, procurando consolidar a posição internacional do calçado português. A promoção comercial externa deve, de resto, continuar a ser uma das prioridades de uma indústria que coloca quase 95% da sua produção no exterior.
Mas serão estes resultados suficientes para garantir o futuro?
Investigação, modernização, inovação são factores essenciais para garantir que o calçado português continua a conseguir responder aos sinais da procura, estando um passo à frente da concorrência. Como parte do Programa Indústria 4.0, o sector deverá receber 49 milhões de euros para apostar naquelas vertentes. Aliás, um nicho de mercado com grande potencial parece ser o calçado técnico de segurança: resistente, pensado para responder às necessidades do mercado de trabalho, principalmente destinado à indústria. Um subsegmento onde o sucesso tem passado, e vai continuar a passar, pela investigação tendo em vista o desenvolvimento de novas formas de produção e de um novo tipo de calçado, numa tentativa de criar conceitos próprios revolucionando os mercados internacionais.
Os tailor made shoes são outra aposta de futuro, pensando naqueles que procuram um produto único e personalizado, com recurso a
plataformas de venda online onde, à distância de um clique, o consumidor decide na hora o que quer e como quer. Tendência igualmente importante é o recurso às redes sociais como ferramentas promocionais altamente eficazes e de alcance internacional.
O futuro passa também por continuar a apostar na conquista de novos mercados e, aqui, a Austrália, os EUA e Japão – mercados maduros, exigentes, atentos ao fenómeno da moda – parecem ser a nova porta de saída para quem quer continuar a internacionalizar-se neste sector. A América Latina e alguns mercados africanos apresentam também potencial.
Mas um dos grandes desafios do sector continua a ser o aumento do seu valor agregado. Significa isto, a necessidade de se passar de uma lógica de produção em outsourcing para terceiros – cerca de dois terços do total da produção nacional são feitos sob a marca private label destinados a revendedores estrangeiros, nomeadamente alemães – para a criação de um grupo de marcas próprias, muito fortes no mercado de gama alta e de luxo, seguindo, aliás, a aposta dos designers que iniciaram a revolução da indústria e que hoje são internacionalmente reconhecidos. É, por isso, fundamental que mais empresas nacionais lancem as suas próprias marcas.
Os produtores portugueses conseguiram criar uma reputação de qualidade, sofisticação e bom gosto e hoje, e mais ainda para o futuro, não apenas algumas marcas, mas o sector como um todo, deve ter como objectivo continuar a ser uma referência a nível mundial. Se assim for, apesar da concorrência intensa, o calçado português terá todas as condições para continuar a dar a volta ao mundo, pisando novos caminhos numa viagem de sucesso internacional.

