Poucas afirmações terão uma aceitação tão unânime e incontestada no meio empresarial como aquela que garante que o segredo é a alma do negócio. Contudo, e porque o paradigma está a mudar, a transparência é agora a nova palavra de ordem para as empresas do futuro –ainda que um futuro muito, muito próximo, com consumidores e intuitos legislativos a exigirem, em conjunto, mais e melhor informação.
A 23 de fevereiro deste ano, a Comissão Europeia adotou a Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade. Já se aguardava algum impulso de grande monta por parte do legislador europeu neste âmbito, sobretudo depois de fixados, em 2015, pelos EstadosMembros das Nações Unidas, os dezassete objetivos de desenvolvimento sustentável a serem atingidos até 2030, entre os quais consta o ODS 12, onde se ambiciona garantir padrões de consumo e de produção sustentáveis. Faltam sete anos a partir do próximo mês.
Sendo certo que apenas três categorias de empresas ficam sujeitas ao cumprimento da Diretiva, se vier a ser aprovada nos termos sugeridos, esta Proposta veio alavancar a necessidade de as empresas dedicarem atenção ao impacto que as suas atividades económicas representam ou podem representar para o ambiente e os direitos humanos nas suas cadeias de valor globais. As PME não estão diretamente abrangidas pelo texto da Proposta, ainda que possam vir a ser afetadas por ela indiretamente (por exemplo, se pertencerem às cadeias de abastecimento das empresas visadas pelo diploma). Ainda assim, está inaugurada a oportunidade de qualquer empresa, independentemente da sua dimensão lucrativa e/ou de recursos humanos e ainda que não vinculada ao texto da Proposta de Diretiva, iniciar uma reflexão interna acerca do seu impacto no mundo, mais especificamente no que concerne à sustentabilidade ambiental e social.
Esta Proposta não vem apenas refletir os objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas. A nível europeu, a Diretiva referente à divulgação de informações não financeiras sobre a governação sustentável das empresas, de 2014, já apontava um encaminhamento bastante claro no sentido da sustentabilidade. Ainda assim, provavelmente o diploma mais representativo da tomada de atenção europeia à questão ambiental data de 11 de dezembro de 2019, altura em que foi implementado o Pacto Ecológico Europeu, e, mais recentemente, com enfoque nos consumidores e na transição ecológica, a Nova Agenda do Consumidor, de 13 de novembro de 2020.
Mais relevante do que elencar os diplomas europeus e internacionais atentos à sustentabilidade, sempre será a constatação de que eles próprios refletem um certo encaminhamento da sociedade num determinado sentido. Até muito recentemente, as preocupações mais vincadas em matéria de violação de direitos humanos não se imiscuíam, regra geral, nas relações de direito privado. Essa era uma matéria a que o direito público e o direito internacional poderiam dedicar-se. Não se duvide de que esta alteração de paradigma foi significativamente impulsionada pela mudança dos tempos e da sociedade como um todo, sendo de salientar, em especial, o papel dos consumidores – esses, cada vez mais atentos, diligentes, solicitadores de informação precisa.
Nesta senda, a manter-se o padrão crescente de intransigência dos consumidores pela violação de direitos humanos e pela desconsideração do impacto ambiental das empresas, o crescimento económico significante ficará seguramente reservado àquelas que souberem implementar mecanismos de controlo das cadeias de valor globais o quanto antes, selecionando criteriosamente com quem e como contratam nas suas cadeias de abastecimento e de que forma executam a sua atividade. A manter-se o padrão de intransigência, as empresas com maiores oportunidades de sucesso acabarão por ser as que demonstrarem maior disponibilidade para oferecer informação fidedigna aos consumidores.
Ao nível nacional em particular, assistimos já à monitorização das empresas que mais promovem os fatores de ESG (Environmental, Social, Governance) e a Diretiva ainda nem foi aprovada, o que revela um impulso interessante de um ponto de vista corporativo. Em 2021, entre as empresas avaliadas, a que melhor ficou cotada nestes domínios foi o Grupo Nabeiro (Delta Cafés), segundo a avaliação do Merco, sendo este escrutínio particularmente relevante considerando que a sua área de atividade é uma das muito permeáveis à violação de direitos humanos.
Faltam sete anos a partir do próximo mês para serem atingidos padrões de consumo e de produção sustentáveis. Abertas as hostilidades ao controlo das cadeias de valor globais e à implementação de instrumentos legais para o efeito, é agora hora de as empresas iniciarem um diálogo com os consumidores, fornecendo-lhes informações fidedignas acerca das razões éticas pelas quais eles devem contratar com elas.
Autora: Maria Miguel Oliveira da Silva
Doutoranda em Direito e Assistente Convidada da NOVA School of Law. Investigadora Associada do NOVA Centre on Business, Human Rights and the Environment e do NOVA Consumer Lab em matérias de direito do consumo e direitos humanos. E-mail: mariamiguel.silva@novalaw.unl.pt.