Artigo Nova 460x230 Igualdade de Género

A igualdade de género no local de trabalho continua a ser um tema de enorme relevância, quer na Europa, quer em Portugal, tendo em conta as disparidades salariais que ainda se verificam e a diferença do número de homens e mulheres a ocupar cargos de decisão. De acordo com o European Institute for Gender Equality (EIGE), as mulheres representavam, no final de 2022, 32,2% de membros dirigentes das maiores empresas cotadas na União Europeia, ocupando maioritariamente posições não executivas.

A aprovação da Diretiva (UE) 2022/2381 relativa à melhoria do equilíbrio de género nos cargos dirigentes de empresas cotadas (doravante, a “Diretiva”) a 22 de novembro de 2022, 10 longos anos após ter sido proposta, foi um acontecimento de suma importância para harmonizar a legislação neste âmbito ao nível europeu.

Não se tendo verificado uma evolução significativa da inclusão de mulheres nos processos de tomada de decisão das empresas europeias em muitos Estados-Membros, em que apenas foi promovida a autorregulação ou em que não foram tomadas quaisquer medidas, tornou-se claro que era necessário desenvolver medidas vinculativas. De facto, comparativamente aos Estados que não o fizeram, é notória a diferença na forma como a igualdade de género evoluiu nos Estados-Membros que criaram regras vinculativas. Sendo esta uma matéria ligada aos direitos humanos – e, por isso, intrinsecamente ligada ao âmago dos valores europeus – é importante harmonizar as regras entre os Estados-Membros, evitando igualmente a existência de requisitos distintos neste âmbito, ao nível do Mercado Único.

 

Em que consiste a Diretiva e quais os seus objetivos?

O objetivo desta Diretiva, que foi vulgarmente denominada em inglês por “Women on Boards Directive”, é o de “assegurar a aplicação do princípio da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens e alcançar uma representação equilibrada de género nos cargos dirigentes” das empresas cotadas. Tratando-se de um primeiro passo a nível europeu a este nível, a Diretiva não pretende uniformizar totalmente as regras entre os Estados-Membros, deixando espaço a que estes estabeleçam regras específicas aplicáveis nos seus territórios e criando critérios mínimos que deverão ser comuns em toda a União Europeia.

Neste sentido, os Estados-Membros deverão assegurar, até 30 de junho de 2026, que as empresas cotadas e que têm as suas sedes nos seus territórios, incluam nos seus órgãos sociais, pelo menos, 40% de mulheres em cargos dirigentes não executivos ou 33% de todos os cargos de dirigentes, executivos ou não.

Assim, para selecionar candidatos e candidatas para cargos dirigentes nas empresas que ainda não tenham atingido os objetivos, estas devem estabelecer processos de seleção com base em critérios “claros, inequívocos e formulados de forma neutra”, que “devem ser aplicados de forma não discriminatória”. Como tal, deverá ser sempre dada prevalência a quem demonstre maior aptidão e qualificações. Apenas nos casos em que existir equiparação de qualificações se deverá dar prevalência aos candidatos do sexo feminino, sendo ainda possível, em casos excecionais, quando existam razões “juridicamente ponderosas”, fazer pender a balança a favor de um candidato do sexo masculino. Não se trata, portanto, de dar prioridade a mulheres, de forma indiscriminada e incondicional, mas de assegurar um processo capaz de garantir uma avaliação em condições de igualdade entre géneros.

A Diretiva cria outras obrigações que os Estados-Membros deverão garantir que as empresas cumprem. Por exemplo, estas devem prestar anualmente informações sobre a representação de género nos seus órgãos sociais às respetivas autoridades competentes, devendo mantê-las em locais facilmente acessíveis nos seus websites, e os Estados-Membros terão de criar listas públicas com as empresas que cumprirem os objetivos da Diretiva. Adicionalmente, os Estados-Membros deverão estabelecer sanções aplicáveis em caso de incumprimento de algumas das disposições da Diretiva. Contudo, a não satisfação das quotas estabelecidas não será sancionável.

É prevista a possibilidade de os Estados-Membros suspenderem a aplicação das principais normas da Diretiva, caso já tenham regras nacionais que permitam cumprir os objetivos da mesma (têm de ou já ter pelo menos 30% dos cargos dirigentes não executivos ocupados por mulheres ou pelo menos 25% de todos os cargos dirigentes; ou então existirem já regras a nível nacional a exigir que se atinjam estas mesmas metas). O facto de estes objetivos serem inferiores às metas estabelecidas na Diretiva pode ter o efeito perverso de permitir que os Estados-Membros que suspenderem a aplicação da mesma apliquem critérios menos exigentes do que os estabelecidos nela.

A aplicação da Diretiva deverá ser regularmente revista pela Comissão Europeia, avaliando se a sua aplicação se mantém necessária, consoante a evolução do cumprimento da Diretiva. Prevê-se até uma data de caducidade da Diretiva, que poderá ser revista, caso se entenda necessário prorrogar a sua vigência.

 

Quais as consequências desta Diretiva para Portugal?

Os Estados-Membros devem adotar e publicar até 28 de dezembro de 2024 as normas que considerem necessárias para cumprir a Diretiva.
Portugal, contudo, não se encontra na mesma situação de muitos outros Estados-Membros, visto já ter aprovado em 2017 a Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto, que define metas para o setor público empresarial e também para as empresas cotadas em bolsa. Este diploma teve já um impacto significativo, sendo notório o progresso verificado na entrada em vigor desta lei - a percentagem de mulheres dirigentes subiu de 16,2% na segunda metade de 2017 para 21,6%, um ano depois, de acordo com os dados do EIGE. Os valores referentes ao final de 2022 são de 33,3%.

A aplicação deste diploma deveria ter sido objeto de avaliação em janeiro deste ano, isto é, cinco anos após a sua entrada em vigor, mas tal ainda não se verificou.

Uma das grandes inovações da Diretiva face à lei nacional é a de distinguir expressamente os dirigentes executivos dos não executivos, criando metas distintas para ambas as categorias. Efetivamente, a lei nacional previa que a proporção de pessoas de cada sexo para cada órgão de administração ou fiscalização não fosse inferior a 20%, a partir da primeira assembleia geral eletiva após 1 de janeiro de 2018, e não fosse inferior a 33,3%, a partir da primeira assembleia geral eletiva após 1 de janeiro de 2020. Estes limiares são aplicáveis à totalidade de administradores, tanto executivos como não executivos.

A Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) referiu que Portugal terá, assim, apenas que ajustar a legislação já existente, faltando ainda definir as quotas para os cargos executivos e não executivos.

 

Não sendo uma empresa cotada, estas regras são relevantes?

Apesar de a Diretiva ser aplicável apenas a empresas cotadas, justificando-se esta opção pela sua grande responsabilidade económica, social e visibilidade no mercado, é importante que estas regras sejam difundidas através da União, criando standards que todas as empresas, mesmo as que não estão legalmente vinculadas por este diploma, procurem cumprir, sob pena de se diferenciarem pela negativa.
Em Portugal a percentagem de empresas cotadas face ao total de empresas existentes é apenas simbólica, o que levaria a crer que nem a Lei n.º 62/2017 nem a Diretiva teriam grande impacto. Contudo, o que seria desejável é que estas regras se estendessem a outras empresas com dimensão considerável (mais de 250 trabalhadores, por exemplo).

Sendo a Diretiva regularmente avaliada, é ainda possível que o seu escopo venha a ser alargado para incluir mais empresas, não se limitando ao número mais reduzido das empresas cotadas.

 

Beatriz Albuquerque
Advogada, LL.M. King’s College London, Doutoranda da Nova School of Law e Research Associate do NOVA Centre on Business, Human Rights and the Environment

Saiba como fazer parte da rede da Câmara de Comércio

 

Torne-se nosso associado