A sustentabilidade o consumo e as empresas rivalidade ou simbiose 2

Quando falamos de direitos humanos, em particular, em direitos das crianças, somos confrontados com uma triste realidade: a informação disponível é escassa, não permitindo uma avaliação do real contributo das empresas em relação ao impacto negativo e/ou positivo na proteção e respeito pelos direitos da criança. Também é verdade, que esta circunstância está relacionada com o facto das empresas, de modo geral, terem um conhecimento limitado dos efeitos e das consequências potencialmente marcantes que as suas operações e cadeias de abastecimento podem ter nos direitos e nas vidas das crianças.

Contudo, a época em que as iniciativas voluntárias eram a única forma de incentivar as empresas a respeitar os direitos humanos está a dar lugar ao reconhecimento de que são necessárias novas formas de regulação com força legal, onde a proteção dos direitos humanos e, em particular, os direitos das crianças, merecerá atenção.

Na Europa começam a surgir iniciativas por parte dos Governos de regulação da ação das empresas em matéria de violação dos direitos humanos e eventuais danos ambientais, e exigindo a aplicação do “dever de diligência” obrigatória às empresas. Por sua vez, a União Europeia pretende adotar uma abordagem comum nesta matéria. A proposta de “Diretiva sobre Dever de Diligência das empresas em matéria de sustentabilidade” , apresentada em 23 de fevereiro 2022, tem como objetivo fomentar um comportamento empresarial sustentável e responsável ao longo das cadeias de valor e por todo o mundo. Pretende estabelecer um dever de diligência das empresas no sentido de identificar, prevenir, eliminar, atenuar e responsabilizar pelos impactos adversos nos direitos humanos e no ambiente, tanto nas próprias operações da empresa, como nas suas filiais e nas suas cadeias de valor. Uma das situações de violação dos direitos humanos identificada, é a violação da proibição de trabalho infantil, incluindo situações de escravatura, servidão, trabalhos forçados, prostituição, atividades ilícitas e trabalho que, pela sua natureza ou circunstâncias em que é realizado, é suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças .

É, por isso, fundamental que a equação “proteção” e “respeito” pelos direitos das crianças seja considerada um investimento para as empresas com benefícios comprovados, como o reforço da reputação da empresa enquanto referência em matéria de cumprimento de normas, a melhoria da gestão do risco, além de uma maior facilidade de contratação de mão-de-obra qualificada e do aumento da satisfação dos trabalhadores e consumidores.

Assim, como podem as empresas compreender o impacto (real e potencial) das suas decisões de investimento e atividades de negócio nos direitos das crianças?

O documento “Direitos da Criança e os Princípios Empresariais” (PEDC) desenvolvido pela UNICEF, a Organização “Save the Children” e o Pacto Global das Nações Unidas, em 2012, e inspirado pelos “Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos” (UNGPs) , a par do Comentário Geral nº 16 (CG16) do Comité dos Direitos da Criança , de 2013, continuam a fornecer um quadro de referência alargado às empresas na proteção e respeito pelos direitos das crianças. O primeiro, consubstanciado em 10 princípios, aponta as ações empresariais concretas, permitindo que estas avaliem o impacto das suas ações sobre os direitos das crianças, no âmbito das suas operações empresariais e cadeias de abastecimento. O segundo (CG16) identifica um leque de obrigações estatais relativas ao impacto do setor empresarial nos direitos da criança em matéria de regulação, operação, fiscalização e responsabilização das práticas empresariais.

Pela sua relevância e impacto será abordado apenas o PEDC. Neste quadro, cabe às empresas: cumprir com sua responsabilidade de respeitar e promover os direitos das crianças (1), contribuindo para a erradicação do trabalho infantil em todas as atividades e relações empresariais (2); proporcionar um trabalho digno aos jovens trabalhadores, pais e cuidadores (3); assegurar a proteção e segurança às crianças em todas as atividades e instalações empresariais (4), garantindo produtos e serviços seguros (5); assegurar serviços de marketing e publicidade que respeitem e promovam os direitos das crianças (6), incluindo em relação ao meio ambiente, aquisição e uso de terras (7), de forma segura (8), mesmo para às crianças afetadas por situações de emergência (9), reforçando os esforços da comunidade e do governo para proteger e satisfazer os seus direitos (das crianças) (10).

Nesta primeira década do PEDC, constatou-se que os esforços das empresas se concentraram em áreas como a eliminação do trabalho infantil, o trabalho decente dos jovens trabalhadores, pais e cuidadores, a par da proteção das crianças afetadas por emergências (conflitos armados e/ou catástrofes naturais). No momento presente, os desafios empresariais e societais são maiores, exigindo às empresas uma maior vinculação e compromisso em relação à proteção e respeito dos direitos das crianças, para além do compromisso da eliminação do trabalho infantil (inaugurado pelo Pacto Global das Nações Unidas - P5), alargando horizontes/alcance para outros princípios estabelecidos no PEDC, como a elaboração de códigos de conduta para garantir o respeito e proteção da criança, documento que deve definir, detalhadamente, as expectativas das empresas em relação à conduta dos indivíduos no âmbito de suas operações que interajam com crianças – define uma “política de tolerância zero das empresas para violência, exploração e abuso” (P4). Mas também, na área da informação, o PEDC aponta para o uso de “ferramentas de marketing e publicidade que apoiem e respeitem os direitos das crianças” (P6), sendo, por isso, esperado que as empresas assumam compromissos de comunicação responsável tanto para os consumidores em geral, como para as próprias crianças.

A operacionalização dos 10 princípios do PEDC dá-se em diferentes contextos: no local de trabalho, no mercado, na comunidade e meio ambiente. Os princípios 2 a 4 implementam-se nos locais de trabalho das empresas; os princípios 5 e 6 aplicam-se ao mercado, enquanto os restantes ao nível da comunidade e meio ambiente, conforme se apresenta no quadro 1.

tabela 1 noticia nova

Fonte: Save the Children, Children Rights and Business Principles (CRBP)

O princípio 1 “Integração dos Direitos da Criança”, é considerado orientador dos restantes 9 princípios, definindo três ações centrais para salvaguardar o respeito e proteção dos direitos das crianças pelas empresas: o “compromisso político”, as “medidas de dever de diligência” e os mecanismos de “remediação”. Por sua vez, os restantes 9 princípios encorajam as empresas a implementar ações concretas, a par da avaliação do seu impacto nas crianças no âmbito de todas as suas atividades e relações relacionadas com o local de trabalho, o mercado, a comunidade e o ambiente.

A seguir (Quadro 2) é apresentado um modelo desenvolvido pela Organização “Save the Children” para orientar e apoiar as empresas na implementação do PEDC nas suas estratégias empresariais.

tabela 2 - noticia nova

Fonte: “Save the Children`s CRBP Support Model – Overview”.

Em jeito de conclusão, às empresas exige-se que assumam o compromisso de respeitar e proteger os direitos da criança, garantindo que estes são parte do quadro orientador das estratégias empresarial e sustentabilidade da empresa; depois analisar o contexto das suas operações de negócios e avaliar o respetivo impacto sobre as crianças (dever de diligência). A par disto, selecionar e colocar em prática ações dirigidas as crianças baseadas nas atividades principais do negócio, o que implica medir o impacto da sua ação e comunicar publicamente o progresso alcançado; e por fim, há que prever mecanismos de remediação transparentes e eficazes de situações de abusos.

Segundo as palavras do ex-Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, não estamos a pedir às empresas para fazer algo de diferente da sua atividade normal, estamos a pedir às empresas para fazer o negócio normal de forma diferente.

 

Os 10 princípios do PEDC:

  1. Assumir sua responsabilidade de respeitar os direitos das crianças e comprometer-se a apoiar os direitos humanos das crianças;
  2. Eliminar o trabalho infantil, inclusive em todas as atividades empresariais e relações comerciais;
  3. Proporcionar trabalho decente para os jovens trabalhadores, seus pais e cuidadores;
  4. Assegurar a proteção e a segurança das crianças em todas as atividades e instalações empresariais;
  5. Assegurar que seus produtos e serviços sejam seguros e, por meio deles, procurar apoiar os direitos das crianças;
  6. Usar ferramentas de marketing e publicidade que apoiem e respeitem os direitos das crianças;
  7. Respeitar e apoiar os direitos das crianças em relação ao meio ambiente e a aquisição e ao uso de terras;
  8. Respeitar e apoiar os direitos das crianças em suas estratégias de segurança;
  9. Ajudar a proteger as crianças afetadas por situações de emergência;
  10. Apoiar ações comunitárias e governamentais que protejam e façam cumprir os direitos das crianças.

 

Autora: Odete Severino Soares Perita em Direitos Humanos e Direitos da Criança. Mestranda em Direito na Nova School of Law e Associada do NOVA Centre on Business, Human Rights and the Environment. E-mail: ss.odete@gmail.com

nova school of law v2 

 

[1] https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/ALL/?uri=CELEX%3A52022PC0071 - COM/2022/71 final

[2] https://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2022/12/01/council-adopts-position-on-due-diligence-rules-for-large-companies/

[3] http://childrenandbusiness.org/

[4] https://www.ohchr.org/sites/default/files/documents/publications/GuidingprinciplesBusinesshr_eN.pf

[5] https://www.refworld.org/docid/51ef9cd24.html

[6] https://globalcompact.pt/index.php/pt/un-global-compact/os-dez-principios - Princípio 5 - “Abolição efectiva do Trabalho Infantil”.

[7] Tradução para língua portuguesa da responsabilidade da autora, baseado no “Save the Children`s CRBP factsheet”. Disponível: https://savethechildren.ch/wp-content/uploads/2020/03/factsheet_children_s_rights_and_business_principles.pdf

[8] Tradução para língua portuguesa da responsabilidade da autora, baseado no “Save the Children`s CRBP Support Model – Overview”. Disponível: in Children Rights and Business Principles Roundtable, June 2015, Pág. 13 https://www.sahrc.org.za/home/21/files/Childrens%20Rights%20and%20Business%20Principles%20Roundtable%20for%20web.pdf

[9] https://resourcecentre.savethechildren.net/document/childrens-rights-and-business-principles-crbp/

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